Bernardinho será candidato do PSDB ao governo do Rio de Janeiro, diz Aécio

6 nov
Cogita-se aliança com Romário, do PSB, que se candidataria ao Senado

Cogita-se aliança com o PSB, de Romário, que se candidataria ao Senado

Informações: Josias de Souza, UOL/Folha

O presidenciável tucano Aécio Neves informou a um grupo de senadores que Bernardinho, técnico da seleção brasileira de vôlei, será o candidato do PSDB ao governo do Rio de Janeiro.

“No Rio está tudo muito embolado e dividido. Com Bernardinho, podemos ter pelo menos 9% dos 13 milhões de votos do terceiro maior colégio eleitoral”, disse Aécio segundo relato ouvido pela repórter Maria Lima.

Aécio almoçou nesta terça (6) com senadores de quatro partidos associados ao condomínio que dá suporte congressual à sua antagonista Dilma Rousseff: PTB, PR, PSC e PRB. Foi nesse encontro que ele mencionou Bernardinho.

Já era sabido que Aécio convidara o técnico de vôlei para representar o PSDB na sucessão de Sérgio Cabral. Sabia-se também que Bernardinho filiara-se ao partido dentro do prazo legal.

Confirmando-se a aceitação, Aécio passa a dispor de palanque numa praça em que o PSDB estava a pé. Liderado pelo senador Gim Argelo (PTB-DF), o grupo que dividiu a mesa com candidato tucano almoçara dias atrás com Lula.

Aécio brincou: “Semana passada, almoçaram com o ex-presidente. Quem sabe hoje não almoçam com o ….”. Ele preferiu não concluir a frase.

Liberdades ameaçadas

6 nov

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Editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado ontem, 05 de novembro

O adiamento da votação do Marco Civil da Internet – decidido na semana passada pelo presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, sob o argumento de que só submeteria ao plenário um texto que resultasse de consenso – abriu espaço para a articulação de poderosos interesses econômicos que ameaçam a essência da proposta – a liberdade dos usuários e a liberdade de expressão. Embora já se tenha esgotado o prazo para sua tramitação em regime de urgência e agora nenhum projeto de lei poderá ser votado antes dele, o projeto ainda será discutido numa comissão geral, marcada para amanhã, para, só então, ser levado à votação.

O Marco, que vem sendo discutido desde 2009, é uma espécie de lei geral da internet e tem como objetivo assegurar os direitos dos internautas e definir as responsabilidades, direitos e limites de atuação das empresas de telecomunicações, como produtoras de conteúdo, provedoras de acesso ou operadoras de telefonia. Até onde se conhecia do texto a ser submetido ao plenário – o substitutivo elaborado pelo relator do projeto na Câmara, deputado Alessandro Molon (PT-RJ) -, estavam assegurados dois princípios essenciais do Marco Civil, o da neutralidade, que assegura a liberdade de uso da rede, e o da liberdade de criação e divulgação de conteúdo. A união de interesses das gigantes da telefonia e de radiodifusão coloca em sério risco esses princípios.

A ação das empresas de telefonia contra a neutralidade na forma definida pelo relator levou o presidente da Casa a adiar a votação do projeto na semana passada. A imprensa noticiou a realização, há alguns dias, de uma reunião na residência do presidente da Câmara para chegar ao consenso ao qual ele condicionou a votação da proposta. Estiveram presentes representantes de empresas de telefonia e da maior rede de televisão do País, além do deputado Eduardo Cunha, líder do PMDB na Casa, que defende a posição das teles, e do relator do projeto.

Mas o acordo parece cada vez mais distante. A neutralidade defendida por Molon assegura aos usuários a transmissão das informações sem nenhuma discriminação, baseada na origem, no destino ou no conteúdo do que está sendo transmitido. A empresa operadora não pode reduzir a velocidade de transmissão ou derrubar a conexão quando o pacote transmitido exceder determinados limites por ela fixados.

O que as teles querem é exatamente o contrário, o direito de oferecer serviços variados, a tarifas e velocidades variadas, conforme o volume de dados que o usuário quiser transmitir, e interromper as conexões sempre que o volume exceder o limite contratado.

A presidente Dilma Rousseff defendeu, em diversas ocasiões, a neutralidade na internet. Espera-se que, mantendo coerência, continue a fazê-lo, mesmo à custa de novos atritos com o líder de um importante partido de sua base na Câmara.

A entrada da maior rede de televisão do País no debate trouxe nova ameaça à essência do projeto. A pretexto de defender direitos autorais, ela pretende incluir no projeto o direito de mandar retirar qualquer conteúdo da rede por simples notificação extrajudicial, e não por decisão judicial, como é hoje. A pretensão, se acolhida, constituiria séria ameaça à liberdade de expressão.

Há, obviamente, interesses negociais nessas propostas. Mas, ainda que tais interesses contrariem os dos usuários, o que de mais nocivo elas contêm é o potencial de ferir ou desrespeitar direitos essenciais dos cidadãos, como as liberdades de expressão e de uso da rede mundial de computadores.

E os que ameaçam esses direitos são empresas que continuam a cobrar caro por serviços deficientes tolerados pela agência reguladora do setor. Na mais recente tentativa de mostrar algum serviço de interesse dos usuários, a agência elevou de 20% para 30% do valor contratado a velocidade mínima que as empresas devem oferecer. É isso mesmo: elas podem oferecer só 30% do que cobram. E querem cobrar mais por isso.

Ministério Público obtém liminar que impede sanção da lei que aumenta o IPTU em São Paulo

6 nov

A Justiça deferiu, na tarde desta terça-feira (05/11), o pedido de liminar do Ministério Público de São Paulo, para determinar o impedimento imediato da sanção do Projeto de Lei nº 711/2013, que aumenta o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU na capital. A Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital ingressou na segunda-feira (04/11) com ação civil pública contra a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Câmara Municipal em virtude de aprovação irregular do Projeto de Lei que aumenta o IPTU na cidade de São Paulo a partir de 2014. A liminar foi concedida pelo Juiz Emilio Migliano Neto, da 7a. Vara da Fazenda Pública.

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Com a concessão da liminar, Haddad fica impedido, por ora, de sancionar a lei que reajusta o IPTU

Na ação, o Ministério Público discute, nesta fase, apenas a ofensa ao princípio da legalidade por entender que houve ofensa ao devido processo legislativo em razão da aprovação de projeto de lei em sessão extraordinária da Câmara Municipal, sem prévia convocação dos vereadores para o fim específico de apreciar aquele Projeto de Lei, contrariando o que dispõe o Regimento Interno do Legislativo. De acordo com a ação, a audiência pública foi marcada apenas para o dia seguinte à votação.

“O processo legislativo ofendeu aos princípios constitucionais da legalidade e da publicidade, afora trazer afronta ao regimento interno da Câmara Municipal”, fundamenta o Promotor de Justiça Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, autor da ação.

O MP pede a concessão de medida liminar para impedir a sanção, pelo Prefeito, do Projeto de Lei nº 711/2013.

Ainda segundo o Promotor, a ação não esgota toda a matéria relativa ao IPTU, cabendo ainda em outra discussão sobre o mérito do aumento do tributo pela revisão da planta genérica de valores para cálculo do tributo.

Clique aqui para ler a decisão.

Clique aqui para ler a ação na íntegra.

Informações: Ministério Público do Estado de São Paulo

Grupo da reforma política propõe voto facultativo e fim da reeleição

5 nov

O Grupo de Trabalho de Reforma Política da Câmara dos Deputados vai propor o fim da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. Os integrantes do grupo também decidiram nesta terça-feira (5) propor a manutenção do tempo de mandato em quatro anos. O grupo havia estipulado inicialmente que os mandatos para cargos majoritários seriam de cinco anos, mas a discussão foi reaberta e concluída hoje.

Nesta terça-feira encerraram-se também os trabalhos do grupo, que funcionou durante quatro meses. As decisões foram consolidadas em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que será assinada pelo coordenador do colegiado, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), e pelos outros integrantes. Cada membro vai coletar as demais assinaturas necessárias para a apresentação da PEC (171 ao todo) dentro de seu partido.

Vaccarezza informou que a proposta será entregue ao presidente Henrique Eduardo Alves nesta quarta (6), às 15 horas. Após ser apresentada, a PEC deve tramitar normalmente na Casa. A ideia do coordenador é que, se aprovada no Congresso, a proposta de reforma política seja objeto de referendo, com consulta à população.

O coordenador do grupo considerou o saldo do trabalho muito positivo. “Em pouco tempo de trabalho, estamos propondo mudanças bastantes profundas”, disse. “Se nós viabilizarmos a votação do que está nesta PEC, haverá redução de 70% a 80% dos gastos de campanha”, completou.

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Vaccarezza afirma que aprovação da proposta vai reduzir até 80% dos gastos de campanha.

Principais pontos

A PEC institui, entre outras coisas, o voto facultativo; a coincidência das eleições municipais com as eleições estaduais e federal a partir de 2018; fim das coligações eleitorais, ou seja, o fim da obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, municipal ou distrital. Porém, pela proposta, os partidos que se coligarem para a disputa de eleições proporcionais integrarão, até o fim da legislatura, o mesmo bloco parlamentar na casa legislativa para a qual elegeram seus representantes. A PEC determina ainda a perda do mandato dos que se desfiliarem voluntariamente do partido pelo qual foram eleitos.

O texto também propõe teto de despesa para a campanha eleitoral, que será definido em lei pelo Congresso Nacional. Pela proposta, cada partido poderá optar pelo modo de financiamento, se privado, misto ou exclusivamente público. A PEC também propõe que seja fixado em lei um valor máximo para as doações de pessoas físicas e jurídicas. Os partidos e candidatos somente poderão arrecadar recursos após a definição desses limites.

Partidos políticos

A PEC diminui as exigências para a criação de partidos. A proposta reduz o mínimo de assinaturas para criar uma legenda de 0,5% para 0,25% do total de eleitores (em vez de 493 mil, seriam 245 mil eleitores). Pelo texto, um partido também poderá ser criado com o apoio de 5% dos deputados – ou seja, 26 parlamentares – sem a necessidade de apoio popular.

Porém, o texto estabelece cláusula de desempenho para que partidos possam ter acesso a recursos públicos. Somente terão acesso a tempo de rádio e TV e fundo partidário, além de lideranças, funcionários e espaço físico na Câmara e no Senado, os partidos que obtiverem pelo menos 5% do total de votos válidos no País, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 3% dos votos válidos em cada um deles. “A ideia é reafirmar a liberdade da população de se organizar politicamente em partidos políticos, mas aumentar as exigências para que possam ter acessos a recursos públicos”, explicou Vaccarezza.

A proposta também cria cláusula de desempenho para candidatos, tornando indispensável uma votação mínima (10% do quociente eleitoral) para que qualquer candidato seja eleito. “O objetivo é evitar que deputados sejam eleitos com apenas dois votos, como ocorre hoje”, destacou o coordenador.

Além disso, a PEC altera a forma de eleição para os deputados, ao instituir a criação de circunscrições eleitorais. Segundo o texto, o sistema de apuração dos votos continua sendo proporcional, mas os candidatos deverão concorrer em pequenas regiões dentro dos estados, definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Pela proposta, seriam criadas de quatro a sete circunscrições em cada estado. “A ideia é aproximar o deputado do eleitor”, disse Vaccarezza.

CCJ da Câmara aprova cotas raciais para negros

5 nov

31-10-2013

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, Proposta de Emenda à Constituição que prevê cotas raciais para negros na própria Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas dos estados, pelo prazo de 20 anos, prorrogáveis por mais 20. Para ser instituída, a proposta agora precisará ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado, por maioria de três quintos dos membros de cada uma das casas (308 deputados e 49 senadores). Ou seja, ainda há um longo caminho a percorrer.

Há uns 2 anos escrevi um artigo sobre o tema: “Trata-se da institucionalização da segregação racial, dissimulada sob os subterfúgios retóricos da implantação das políticas afirmativas e da reparação de uma injustiça histórica, cujas conseqüências – já observadas em Estados que discriminaram seu povo pela cor da pele – são trágicas: aumento do ódio e aprofundamento das dissensões sócio-raciais.” Vocês podem lê-lo aqui: https://contradita.wordpress.com/2011/09/20/jeitinho-brasileiro-das-cotas-raciais/

Desde então, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional, por 10 a 0, as cotas na UNB e vários estados e universidades instituíram políticas públicas racialistas. 

A igualdade formal – popularmente conhecida como igualdade perante a lei – é, ao lado do voto popular, o princípio mais elementar de qualquer regime democrático. Por si só, esse axioma seria suficiente para enterrar qualquer proposta de rompê-la. Mas é bom ir além.

Isso porque tanto o STF quanto a bancada de parlamentares racialistas e vários partidos políticos utilizam-se de argumentos comprovadamente falsos.

Cientistas já demonstraram que não há “raças humanas”. O que há são cerca de 10 genes, de um total de 25 mil, que determinam a cor da pele. 

Um segundo argumento é que a sociedade deveria ser representada de forma proporcional, ou seja, se há 50% de negros na população, logo, 50% devem ser médicos, 50% devem ser representantes no Congresso, 50% devem ocupar as vagas nas universidades. 

Se levarmos essa premissa ao extremo, desconsideraríamos fatores culturais e históricos inerentes a determinado povo, que às vezes caracteriza-se e diferencia-se por sua cor da pele. Alemães tradicionalmente cultivam batata. Orientais, arroz e tomate. Judeus desenvolveram aptidão para finanças e economia. Islâmicos não comem porcos. Vejam como o argumento pode ser usado analisando-se a questão pelo aspecto cultural, religioso, linguístico, histórico e, evidentemente, pela cor da pele, que, com frequência associa-se aos anteriores. 

Em terceiro lugar, considera-se a cota uma espécie de reparação histórica por erros do passado. Mas esse argumento, principalmente no Brasil, onde a Escravidão foi abolida em 1888 e onde desde 1891 não há absolutamente nenhuma discriminação entre “raças”, é eticamente duvidoso. Explico: é justo e correto que alguém pague pelos erros de seus antepassados? Embora eu reconheça a existência de gravíssimas injustiças históricas contra negros, não cometi nenhuma delas. Ou seja, há uma transferência de responsabilidade que, tanto ética quanto juridicamente, é errada por natureza. 

De certo modo e atendendo a uma noção de razoabilidade, esse argumento poderia ser aceito em países onde, no período recente, houve discriminação racial, como é o caso dos EUA. E é com base no segregacionismo norte-americano que os brasileiros têm defendido a doutrina racial. Lá, somente em 1964 a discriminação foi legalmente abolida em âmbito nacional. 

Além disso, ao contrário do Brasil, os EUA são um país onde não houve miscigenação. Aqui, na maioria dos casos é impossível, seja social ou cientificamente, determinar a cor da pele de uma pessoa. Daí por que as políticas de cotas são baseadas na auto-declaração. 

Recentemente, um candidato a uma vaga a diplomata no concurso do Ministério das Relações Exteriores  declarou-se afrodescendente. Seu último sobrenome é Abramovich, conhecido em toda a Europa desde o século XII, e atualmente comum no leste europeu e na Rússia. Ele tem olhos e pele claros e cabelos castanhos claros. Além de ser médico. 

Então, a não ser que se institua um tribunal racial, algo extremamente perigoso, não há nenhuma forma de se determinar quem é negro ou não. 

Caso a PEC de cotas raciais no legislativo seja aprovada, é previsível que casos como esse sejam bastante comuns. 

Considerando-se a questão sob o aspecto da justiça, particularmente é certo que, se há cotas em universidade e concursos, é justo que também haja na política. Evidentemente é pouco provável que os políticos tenham essa concepção e aprovem a PEC, já que o poder é dominado de forma majoritária por brancos, que evidentemente não querem perdê-lo. Ademais, é preciso analisar as consequências práticas da eventual medida e a quem ela interessa. 

Volto ao tema em breve. Entrementes, àqueles que se interessam, sugiro a leitura dos livros dos maiores estudiosos da área no Brasil: o sociólogo Demétrio Magnoli e a Procuradora do Distrito Federal que atuou no julgamento das cotas no STF, Roberta Kauffmann. Pelo outro lado, o jurista norte-americano Ronald Dworkin, cujas teses são e foram utilizadas como base no Brasil. Na internet e youtube também há bastante material interessante para se aprofundar. 

Escritório do ministro Barroso ganha contrato de 2 milhões de reais da Eletronorte, sem licitação

13 set

Em 12 de agosto, o escritório de Luís Roberto Barroso foi contratado pela Eletronorte, concessionária de serviço público de energia elétrica e subsidiária da Eletrobrás (controlada pela União), para prestar “serviços técnicos especializados em arbitragem”. A contratação, no valor de R$ 2.050.000,00, foi realizada sem licitação, com base no artigo 25, II, da Lei de Licitações (8.666/1993).

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Fonte: Diário Oficial da União, de 12 de agosto de 2013, nº 154, página 143. http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=12/08/2013&jornal=3&pagina=143&totalArquivos=248

A falsa ilação de Barroso, novato também em Direito Penal

13 set

Luís Roberto Barroso iniciou mal sua trajetória no STF. No interstício entre sua nomeação e posse, voltou atrás a respeito da impossibilidade de se convocar uma Assembleia Constituinte específica sobre Reforma Política para apoiar Dilma Rousseff quando a presidente tentou dar uma resposta às manifestações de rua propondo essa aberração jurídica. Em entrevista, deu sinais de que apoia a revisão da Lei da Anistia, já declarada constitucional pelo STF. Na sabatina do Senado, disse que o Mensalão era ponto fora da curva, do que foi possível deduzir que considerava o julgamento injusto. Como ministro, fez uma lambança ao conceder liminar para suspender os efeitos da sessão secreta da Câmara dos Deputados que não cassou o deputado Donadon depois de ter votado pela não-cassação automática dos mandatos de parlamentares condenados criminalmente. Já no julgamento dos embargos de declaração do mensalão, teceu elogios a José Genoíno em pleno plenário e, em várias ocasiões, deu a entender que o resultado final não lhe agradava.

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Nesta semana, além de deixar claro, em tom arrogante, que não se importava com a opinião pública – como se ministro do STF fosse um rei absolutista que não deve satisfações ao Povo – ainda afirmou, em mais de uma oportunidade, que rejeitar o recurso seria “casuísmo”. O termo casuísmo, é verdade, tem mais de um significado. Neste caso, Barroso quis dizer que rejeitar o recurso seria uma espécie de deturpação de princípios morais, jurídicos etc. para que sirvam a um interesse específico, segundo a definição do dicionário Aulete. Em outras palavras, que seria uma exceção à regra e à prática comum da corte.

Entretanto, como largamente difundido, não há absolutamente nenhum precedente de aceitação ou rejeição de embargos infringentes nesse tipo de ação depois de 1990, quando a lei 8.038, foi aprovada. Tanto que é a primeira vez que o STF enfrenta a questão. Portanto, é totalmente falso afirmar que a rejeição do recurso seria casuísmo.

Mas o buraco é mais embaixo, porque dizer que há casuísmo nada mais é do que sugerir que se trata de julgamento de exceção – acusação recorrente nas horas petistas desde o início do julgamento, no ano passado. No plenário, porém, sequer Lewandowski aventou tal hipótese chula. Luiz Fux acabou intervindo: esse tipo de comportamento não cabe à Casa.

Barroso é novato não só no STF. É novato também em direito penal. Em 2011, advogou em defesa do terrorista italiano Césare Battisti – que acabou ficando no Brasil após Lula ter-lhe concedido o asilo e recusado sua extradição para a Itália no último dia de seu mandato, num vexame histórico da política externa brasileira. Segundo o site Consultor Jurídico, a causa de Battisti foi a primeira e única patrocinada por Barroso, que nunca tinha ido a um presídio.

Não há dúvidas de que Barroso é um excelente constitucionalista, teórico e acadêmico, ainda que suas teses não sejam, digamos, unânimes no mundo jurídico.

Contudo, é no mínimo curioso que um jurista que atuou num único processo criminal em toda a sua carreira (que nada tem a ver com o Mensalão) afirme de forma convicta, conclusiva e sem antes se debruçar minuciosamente sobre fatos e provas, que um processo complexo, com vários réus e mais de 40 mil páginas, foi “ponto fora da curva”. E, desde que foi escolhido para ocupar uma cadeira do Supremo, suas posições têm, invariavelmente, coincidido com os interesses daqueles que lá o colocaram. 

“Entendi que você é um juiz de merda!”, disse jurista a Celso de Mello. Ou: se pode votar a favor de Sarney quando necessário, por que não a favor do Brasil?

12 set

Leiam abaixo o relato do jurista Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça, responsável pela nomeação de Celso Mello para o STF no governo José Sarney. Saulo revela que Mello, depois, votou contra Sarney, que o nomeara, para desmentir da Folha de S. Paulo. Mello alegou a Saulo que votou contra Sarney porque o ex-presidente da República já tinha votos suficientes, mas que se precisasse, votaria a favor.

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Celso de Mello, que proferiu duras palavras contra os mensaleiros durante o julgamento, terá o voto de minerva que decidirá não só o futuro do processo, mas o futuro do único Poder que ainda conserva certa credibilidade perante a opinião pública. A decisão ocorre na próxima quarta-feira.

“Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.

O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.

Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.

Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

— Claro! O que deu em você?

— É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?

— Sim.

— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

— Exatamente. O senhor entendeu?

— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”

(Saulo Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª reimpressão, 2007)

Entenda o que está em jogo na reta final do mensalão

5 set

O que é: embargos infringentes são uma espécie de recurso processual destinado a impugnar um acórdão – decisão colegiada – não-unânime. 

Quem pode fazer uso do recurso: todos os réus condenados que tenham tido 4 votos pela absolvição em determinado crime. Como o STF tem 11 ministros, decisões desfavoráveis aos réus pelo placar de 7 votos a 4; ou 6 a 4 (porque o ministro Cezar Peluso se aposentara durante o julgamento). 

Exemplo: José Dirceu, condenado a 10 anos e 10 meses de reclusão pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Como Dirceu foi condenado por 8 votos a 2 pelo crime de corrupção ativa, o recurso não pode ser utilizado para este crime. Porém, quanto ao crime de formação de quadrilha, Dirceu foi condenado por 6 votos a 4. Então, em tese, os embargos de infringência seriam admissíveis.

Embargos infringentes, caso admitidos, podem beneficiar alguns dos réus, inclusive José Dirceu

Embargos infringentes, caso admitidos, podem beneficiar alguns dos réus

Discussão: em primeiro lugar, o STF decidirá se os embargos infringentes são ou não admissíveis. Isto porque a lei 8.038/90, que instituiu, entre outros, as normas procedimentais do julgamento das chamadas ações penais originárias pelo STF (aquelas julgadas diretamente pela corte), não prevê a existência dos chamados embargos infringentes.

Ocorre que, o Regimento Interno do STF, de 1969, portanto anterior à lei, prevê esse tipo de recurso no artigo 333, I: “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal”.

O regimento foi, como se diz juridicamente, recepcionado pela Constituição de 1988. Ou seja, ele tem validade e se equipara a uma lei. Porém, a Constituição também extinguiu a capacidade dos tribunais, dentre eles o do STF, de legislar a respeito de normas procedimentais, transferindo essa prerrogativa exclusivamente ao Congresso Nacional. 

E o Congresso Nacional, como se disse, regulou a matéria por meio da lei 8.038, a qual não traz a possibilidade deste recurso. No direito brasileiro, quando uma lei posterior (caso da 8.038) disciplina totalmente determinada matéria, ela automaticamente revoga a lei anterior (neste caso, o Regimento) . Caso o Congresso não tivesse regulado a matéria, entender-se-ia que os embargos infringentes seriam cabíveis sem muitas dúvidas.

A pergunta que se faz é: a lei 8.038 revogou de forma tácita a norma do regimento por ter disciplinado completamente os processos penais originários no STF?

Como minha pretensão ao fazer esse artigo é só tentar explicar a natureza do recurso e quais suas consequências, não vou emitir opinião. Os leitores podem pesquisar sobre o tema na internet. De fato é uma questão polêmica e que tem bons argumentos tanto de um lado quanto de outro.

Histórico: anteriormente o STF já decidiu, em 1995, em julgamento de habeas corpus, que o recurso não é admissível. Situação análoga ocorreu num julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, ainda nos anos 1990: a corte entendeu que, como a lei que regulamentou o julgamento desse tipo de ação não previa a existência de embargos infringentes, então o recurso não era admissível.

Posição dos atuais ministros: Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Luiz Fux, já deram sinais de que não admitirão o recurso. Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, do contrário. O resultado será definido pelos demais ministros: o entendimento majoritário prevalecerá.

O que acontece: se o recurso não for admitido, o processo termina. Se for admitido, há novo julgamento em relação àqueles crimes que tiveram pelo menos 4 votos pela absolvição. Ou seja, novo relator e revisor são designados, e o processo recomeça do zero.

Como isso poderia beneficiar os réus?

Dirceu, por exemplo, teria novo julgamento pelo crime de formação de quadrilha. Sua pena total de 10 anos e 10 meses refere-se a: 7 anos e 11 meses por corrupção ativa; e 2 anos e 11 meses por formação de quadrilha.

Se, eventualmente, Dirceu tiver novo julgamento para o crime de formação de quadrilha, no momento prevalece sua condenação somente quanto ao crime de corrupção ativa.

Ocorre que, condenados criminalmente de 4 a 8 anos de reclusão podem cumprir a pena em regime semiaberto. Tendo em vista que há ausência de vagas em “colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar”, estabelecimentos previstos pela lei para o cumprimento nesse tipo de regime, aplica-se o princípio de que o réu deve ser beneficiado. Ou seja, o réu passa ao regime aberto.

Nesta hipótese, Dirceu não ficaria literalmente preso. Isso poderia beneficiar outros réus, como o deputado petista João Paulo Cunha.

Enfim, a decisão sobre a admissibilidade dos embargos infringentes será determinante para o futuro dos principais acusados e condenados pelo esquema.

O julgamento talvez já comece nesta quinta-feira, 05/09.

Não, não se trata de saúde

24 ago

Acima de todos os outros, o problema do nosso país é ético. É inaceitável que o governo pague pelo trabalho de seres humanos – em tese livres – a um governo estrangeiro que sequer revela quanto lhes é repassado e que os coage a trabalhar por meio da ameaça a seus familiares usados como reféns. 

Dizem que os médicos cubanos virão ao Brasil de forma voluntária. E se algum deles resolver desistir do trabalho e pedir asilo? Vamos conceder ou deportá-lo para o paredão de fuzilamento? Alguém vai reter seus passaportes ou poderão passar suas férias nos EUA? E se algum deles, sei lá, processar o governo e pleitear isonomia de vencimentos em relação aos médicos de outras nacionalidades? Não permitir que eles exerçam a medicina exceto no programa do governo é reconhecer sua inaptidão ou simplesmente uma forma de restringir sua liberdade? E que autoridade vai responder pelo crime de redução a condição análoga à de escravo?

Afinal, o que difere Castro do empresário que retém dolosamente o salário de costureiras bolivianas? Ou do fazendeiro que viola a liberdade do trabalhador rural e de sua família pelo acúmulo de dívidas? A única diferença é que a violação é do particular num caso e do Estado no outro. 

Entre as várias teses da esquerda que isso desmorona, a que me mais vem à mente é a da Lei da Anistia: ora, o principal argumento que utilizam para condenar agentes da ditadura por tortura e, ao mesmo tempo, isentar os criminosos comuns das mesmas práticas é o de que haveria distinção entre violência do particular e violência de Estado – esta, por ser institucional, seria considerada violação de direitos humanos. Logo, embora sejam situações diferentes e guardadas as proporções, a lógica conduz somente a uma inversão dos papeis ideológicos. Quando a violência ou a exploração é do capitalista, a fogueira. Quando é do socialista, a conveniência do silêncio que ensurdece e da vista-grossa que cega. 

Essa é só uma das contradições patentes. As reflexões sobre essa medida são inúmeras e é difícil estimar quantas normas éticas e jurídicas ela transgride. Governistas podem usar de uma perspectiva utilitarista, apelando para a sensibilidade e argumentando que ela trará muitos benefícios para a população carente, etc. Mas isso levaria à conclusão inexorável de que a máxima de Maquiavel perdura 500 anos depois de sua morte, e em qualquer país democrático ou que pretenda sê-lo, fins não justificam meios. 

E, ainda que discordem, é difícil contradizer os números. Para trazer até 4 mil médicos de Cuba de setembro a fevereiro (6 meses), serão despendidos 511 milhões de reais. Supondo que essa quantidade de profissionais realmente venha ao Brasil e trabalhe por esse período, o valor gasto com cada um será de 127 mil reais, ou, 21.160 reais por mês. É mais do que o dobro do que o governo oferece (10 mil/mês) de remuneração aos demais médicos que se inscreveram no programa. Será que não haveria número muito maior de interessados se pagássemos 50 ou 100% a mais?

É preciso atenção para o que está em curso no País. Não se trata mais da imensa disparidade entre o que se fala e o que se faz. Isso sempre existiu. Contudo, tem sido recorrente falar uma coisa e fazer exatamente o contrário. Com o propósito de se perpetuar no poder, os espertalhões do governo já demonstraram que podem atropelar a ética e as leis sem qualquer remorso. Enquanto tiverem e usarem a imensa massa de incautos que consegue enxergar virtudes na ideologia decadente que levou miséria e defuntos a Cuba, o método será irrelevante.

Sejamos honestos: isso não tem nada a ver com a saúde da população. É política. E política suja como um curral.

Breve reflexão sobre um crime repugnante

19 jul

Primeiro, transcrevo a notícia publicada aqui (http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/54060/Menino+e+estuprado+pelo+namorado+do+avo):

Uma criança de apenas nove anos de idade foi estuprada por um jovem de 17 anos, em um matagal, no Parque da Pampulha, em Agudos, durante a tarde desta quarta-feira. O adolescente é namorado do avô do menino, que viu tudo acontecer. Para piorar a situação, a vítima do abuso é deficiente visual.

De acordo com a polícia militar, a criança foi levada pelo avô, de 47 anos, e seu namorado até uma cachoeira afastada da cidade, por volta das 16h. Ao chegarem no local, a vítima foi imobilizada pelo avô, enquanto o adolescente praticava o estupro.

Quando voltou para casa, o menino, inquieto e apreensivo, não conseguiu disfarçar e contou para sua mãe o que havia lhe acontecido. Ela acionou a polícia imediatamente.

A criança foi levada ao pronto-socorro do município, acompanhada por sua família, inclusive pelos acusados, que acabaram detidos para prestar depoimento.

No Instituto Médico Legal (IML), exames constataram o estupro e identificaram a necessidade de uma cirurgia na vítima, graças à uma lesão causada pelo abuso sexual.

Ambos os acusados foram presos. O avô da criança será recolhido à Cadeia Pública de Barra Bonita e o adolescente aguarda determinação do juiz da Vara da Infância e Juventude.

Trata-se de mais um crime gravíssimo cometido por um menor.

As autoridades têm afirmado reiteradamente que as vozes populares precisam ser ouvidas. Bem, 90% da população apoia a redução da maioridade penal para 16 anos. É maioria esmagadora, não há razão para esperar mais.

Os 10% são contrários porque creem piamente que o crime é resultado das injustiças sociais. Para eles, prender não funciona porque não ataca a raiz do problema. Entretanto, as estatísticas comprovam que estão errados em ambos os casos.

Na Bahia, por exemplo, onde neste século houve maciça distribuição de renda e milhões saíram da pobreza, os homicídios triplicaram desde 2000. Já São Paulo, que possui 20% da população nacional, elevou sua população carcerária em relação ao Brasil de 24% para quase 40% na última década. No mesmo período, os homicídios reduziram 3 vezes. A cidade de SP era a quarta capital mais violenta, hoje é a quarta menos violenta. Em perspectiva mais abrangente, de 1980 a 2010, período em que o País se desenvolveu econômica e socialmente, o índice de homicídios no Brasil cresceu 3,5 vezes.

O Brasil é o país mais violento do mundo em números absolutos e um dos primeiros em números relativos. São quase 140 homicídios por dia, dos quais menos de 8% são solucionados e quantidade muito menor resulta em condenações. Temos a quarta população carcerária, mas deveríamos liderar o ranking. A impunidade alarmante é a verdadeira causa da criminalidade porque fulmina a função preventiva da lei, que não mais dissuade o indivíduo de cometer um crime. O criminoso sabe que a chance de vir a ser punido são mínimas.

Claro que é um problema complexo, cuja solução precisa envolver os três poderes e o ministério público. Leis penais mais repressivas talvez sejam um fator que pouco influenciaria a redução da criminalidade. Não adianta a lei atribuir penas mais duras se ela não é aplicada em 19 de 20 casos.

Então por que defender a redução da maioridade penal? Simplesmente porque a norma jurídica, conforme ensinou Norberto Bobbio, pode ser valorada segundo três aspectos: validade, justiça e eficácia. A impunidade está relacionada com a eficácia: quanto menos o Estado é eficaz na aplicação da lei, mais seus destinatários a violam. É uma questão sociológica. Já o problema da maioridade está relacionado com a concepção de justiça: esse adolescente que estuprou o menino deficiente de 9 anos ficará isolado da sociedade por no máximo 3 anos, enquanto deveria ficar, no mínimo, 20, 30 anos. Neste caso, há um descompasso enorme entre os valores da sociedade (que podem ser concretamente percebidos por meio de pesquisas de opinião) e a lei. É, portanto, questão moral e ética.

Retratos da Perversidade Política

28 jan

O banho de sangue não ocorreu. Nenhuma morte, nem mesmo feridos graves. A resistência não passou de mau agouro. Tudo desconforme com o roteiro traçado pelas vozes do extremismo feroz e intolerante, que desejava a carnificina para empregá-la contra o PSDB em ano de eleições municipais.

O bônus eleitoral que se pretendia obter era mais valioso que a dignidade dos moradores do Pinheirinho, agora tornada razão para justificar todas as espécies de maledicências e campanhas que visam a depreciar o governo de São Paulo.

Aqueles que hoje posam como bastiões em defesa das vítimas oprimidas pela PM-SP são os mesmos que ontem mancomunavam formas de se beneficiar politicamente com a desocupação. Jamais tencionaram encontrar uma solução negociada e pacífica.

Carnificina, para tristeza de muitos, felizmente não ocorrreu

É o caso do tal Marrom, chefe da favela, militante do PSTU e explorador econômico dos habitantes da região: cobrava taxas de todas as espécies, enriquecendo através da propriedade de Naji Nahas, um especulador capitalista. Contente o rato não ficou com a tomada da sua mina de ouro. 

À esquerda, Marrom, comunista que enriquecia extorquindo seus comuns

Os velhacos petistas e sua trupe não ficam muito atrás. Se quisessem teriam adquirido o terreno. Preferiram não fazê-lo para depois imputarem a culpa ao governo tucano. O mesmo se pode dizer da Justiça Federal, que proferiu decisão suspendendo a reintegração da posse, porém preferiu não acionar a Polícia Federal e ver sua decisão cumprida, já que, sabendo ser escandalosamente incompetente para julgar a ação, seria responsável por um confronto entre polícias.

O caso, a pedido de Organizações Não Governamentais que vivem à custa de dinheiros governamentais, foi parar na ONU. A relatora especial sobre o direito à moradia da organização, Raquel Rolnik, afirmou ter ficado “chocada com o uso excessivo da força” nos despejos, sem sequer apurar o excesso. Um ou dois dias depois, foi desmascarada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, que divulgou em seu blog o currículo da senhora: por óbvio, petista ferrenha, que atuou nos governos Erundina e Lula, ambos que, convenhamos, não ficaram conhecidos pela habitação digna da população. A ONU, numa evidente tentativa de dar credibilidade e isenção à atuação de Raquel, divulgou nota na qual afirma que “ela é independente de qualquer governo ou organização e serve em sua capacidade individual”. Talvez tenha colado em países onde não há sobreposição dos interesses partidários aos interesses públicos… Talvez não.

Raquel Rolnik: partidarismo nas Nações Unidas

Em todos os casos, trata-se de uma militância bestial que não encontra óbice ético na aplicação da máxima maquiavélica. Os miseráveis do Pinheirinho ou mesmo os viciados da Cracolândia são meros peões de um jogo político-partidário. Os fins, isto é, a difamação do governo de SP, justificam os meios, ou, os sofrimentos e agonias dessas pessoas.  

Usuários na Cracolândia: para os intolerantes, são somente massa de manobra para achacar o gov. de SP

Outra minoria, como os invasores da reitoria da USP, possui ideais e modus operandi semelhantes, porém parte ainda acredita na existência de um poder que subjuga e que necessariamente precisa ser derrotado, preferencialmente através da subversão e da ilegalidade, o que, em sua crença e lógica deturpadas, os converte em mártires da revolução. O testemunho de um rapaz que sequer havia nascido quando a ditadura existia, deixa expresso uma felicidade por ter sido “vítima de tortura (ficado sem água por 5 horas na delegacia após ser preso), o que lembrou a época do regime militar”. Fala como se tivesse vivido os anos de chumbo de Médici…

Há tempos isso ocorre com a condescendência velada da ala moderada do PT, já que tanto os oportunistas do Pinheirinho e Cracolândia, como a burguesia enraivecida da USP, servem-lhe como uma espécie de braço clandestino que contribui com a extinção da oposição.

Revolução Burguesa 200 anos atrasada

Em vez de ir a público desmistificar suas ações e decisões – a maioria que conta com amplo apoio popular – o seu governador de São Paulo se mantém apático e passivo atrás das cortinas da mentira. Seu padrinho Mário Covas jamais aceitaria ter seu nome associado ao de Hitler, tampouco seu governo ao fascismo.

Duas operações policiais ordenadas pela justiça e a privação dos usuários de crack em SP renderam a Alckmin uma comparação com Hitler: retrato do desconhecimento, do fanatismo e da intolerância

Steven Pinker, psicólogo canadense e professor de Harvard, avalia que sistemas políticos como o comunismo encorajam os indivíduos a lutar pelo sonho, ainda que de forma violenta e em detrimento dos direitos de outrem, pois apenas a utopia presta. Sendo uma contradição em si, pois a utopia é inconcebível por sua própria natureza, sua conseqüência trágica e inexorável pode ser lida nas páginas da história da URSS stalinista. 

A Questão Palestina

24 set

“How did things ever get so far? I don’t know. It was so unfortunate, so unnecessary.” (Vito Corleone, em O Poderoso Chefão, de Mario Puzo)

Introdução

O presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas encaminhou hoje ao Conselho de Segurança das Nações Unidas o pedido de reconhecimento da Palestina como Estado.

Embora a derrota seja certa, uma vez que Washington já anunciou que usará seu poder de veto no órgão, Abbas, um líder atabalhoado, não muito carismático e que sequer é unanimidade entre os palestinos, não cedeu às pressões – por enquanto – e isolou os Estados Unidos, uma façanha sem precedentes na ONU.

Aspectos históricos

Tratar do conflito entre Israel e Palestina em poucas páginas é impossível, pois remonta há séculos e envolve questões territoriais, políticas e, principalmente, religiosas.

Necessário conhecer a evolução do impasse, precisamente a partir da queda do Império Otomano após a 1ª Guerra Mundial, quando seu vasto território foi desmembrado em diversos países, alguns que se tornaram independentes e formaram um Estado e outros, que passaram ao controle britânico, entre eles a região da Palestina-Judaica (em branco no mapa) e da Transjordânia. 

O território palestino sempre foi objeto de disputas entre muçulmanos, que na década de 1920 eram ampla maioria, compondo 80% da população, e judeus, com pouco mais de 11%.

No período entre guerras e principalmente após a ascensão do Nazismo, houve maciça migração de judeus para a região, provocando freqüentes conflitos entre os povos, ainda que os britânicos, sem empreender muitos esforços, tentassem impedi-los.

Após a 2ª Guerra, a população judaica crescera consideravelmente (quase 33% da população), porém os muçulmanos ainda representavam o restante da população.

Região considerada sagrada por ambos os povos, os britânicos deixaram a questão a cargo da recém-criada ONU. Em 1947, através da Resolução 181, aprovou-se a criação de dois Estados independentes (embora as condições geográficas demandassem uma espécie de união econômica), um árabe e um judeu, sendo que as cidades de Jerusalém e Belém ficariam sob administração internacional.

O plano foi rejeitado por todos os países árabes, mas ainda assim os judeus proclamaram seu Estado em 1948, prontamente reconhecido pelas potências emergentes dos EUA e da URSS.

Deflagrou-se uma guerra, que terminou um ano depois. Embora tenha conseguido a independência e ampliado consideravelmente seu domínio territorial, com a ocupação de várias porções muçulmanas segundo a resolução da ONU, o território da Cisjordânia (West Bank no mapa) foi anexado pela Jordânia, e a Faixa de Gaza, ao sudoeste, pelo Egito.

A vitória israelense e a ocupação desses territórios provocaram o êxodo de centenas de milhares de muçulmanos para os países árabes vizinhos.

Desde então, várias guerras se sucederam pelos territórios, em particular com o Egito, Síria, Jordânia e Líbano. Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Israel retomou a Faixa de Gaza e parte da Cisjordânia, que incluía a cidade de Jerusalém. Com a ampliação dos territórios, novamente uma migração maciça de muçulmanos para outras áreas.

No mesmo ano, o CS da ONU aprovou, por unanimidade (inclusive o Brasil), a resolução 242, determinando que Israel se retirasse dos territórios ocupados e resolvesse a questão dos refugiados muçulmanos.

A redação do documento nas línguas inglesa e francesa gerou controvérsias em sua interpretação, e Israel utilizou aquela que melhor lhe conveio, muito embora nunca tenha cumprido totalmente as determinações.

A questão primordial diz respeito à ocupação e anexação dos territórios pela guerra, prática proibida pelo direito internacional. Ocorre que, de fato, nunca houve acordo sobre demarcação das fronteiras da região, já que nem muçulmanos nem judeus cumpriram as recomendações da Resolução 181 de vinte anos antes.

Desde então, Israel tem conflitado com os vizinhos, e as tentativas de estabelecer a paz na região esbarram na resistência em fazer concessões. Em 1993, Yasser Arafat, líder da OLP – Organização da Libertação da Palestina – e o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (que dois anos mais tarde viria a ser assassinado por um sionista extremista), assinaram o histórico e primeiro acordo bilateral de paz.

Basicamente, o acordo previu a retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza e da Cisjordânia e o reconhecimento do direito de autodeterminação dos palestinos, que, por sua vez, abdicaram da luta armada e do terrorismo. Questões essenciais, como Jerusalém, refugiados e assentamentos, continuariam sob negociações.

Houve oposição tanto em Israel quanto na Palestina. O Hamas, facção islâmica fundamentalista, opôs-se ferrenhamente. Do lado contrário, grupos conservadores votaram contra o acordo no Knesset, parlamento israelense, embora o mesmo tenha sido aprovado por pequena vantagem.

Em 2001, o atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aparentemente sem saber que estava sendo gravado, disse que não cumpriria os acordos e que seu objetivo principal era atacar os muçulmanos.

No ano seguinte afirmou publicamente: O maior erro que podemos cometer é prometer aos palestinos um Estado.

Situação atual

Hoje, o conflito encontra-se num impasse: ao longo dos anos, Israel ocupou diversos territórios, obrigando os muçulmanos a se refugiarem nos países vizinhos. A ONU estima que há mais de 4 milhões de refugiados muçulmanos no mundo provenientes da Palestina.

A política de expansão de Israel das últimas décadas, a expulsão dos muçulmanos e seus conseqüentes assentamentos judeus (regiões da Cisjordânia em branco, antes territórios muçulmanos), a construção de um muro com cercas elétricas para separá-los, a ocupação de áreas geográficas estratégicas que possuem água, são questões das quais Israel não pretende abrir mão nas negociações.

Do lado muçulmano, grupos como o Hamas insistem em manter a luta armada e não reconhecem Israel como Estado – igualmente a outros países árabes. Atos terroristas também paralisam as negociações.

Recentemente, Israel cedeu o controle de alguns territórios da Cisjordânia à Autoridade Palestina, embora ainda mantenha regiões ocupadas por seus exércitos. Quanto à Faixa de Gaza, encontra-se hoje governada pelo Hamas.

Realidade Palestina hoje: em verde, territórios sob domínio muçulmano. A linha vermelha representa o muro construído na região. A população total chega a quase 12 milhões de pessoas, com maioria judaica.

Aspectos legais

A Palestina, na prática, possui todos os elementos para ser considerada como Estado, nos termos da Convenção de Montevidéu, de 1933, da qual os EUA também são signatários e que constitui norma de direito internacional costumeira e obrigatória: povo, território e soberania – este que compreende um governo interno e, no âmbito externo, a capacidade de manter relações com outros Estados, além de atuar na qualidade de sujeito de direitos e obrigações na comunidade internacional.

O reconhecimento, isto é, a passagem do Estado de facto para o Estado de jure, é ato jurídico declarativo, pela maioria dos juristas considerado um ato coletivo, aperfeiçoado com sua admissão como membro da ONU.

A relutância em se reconhecer a Palestina não é infundada: o Estado tem voto na Assembléia Geral, pode figurar como parte em processos na Corte Internacional de Justiça, passa a atuar segundo princípios e regras internacionais extremamente relevantes, como a reciprocidade, a igualdade perante os demais e a soberania jurídica e política sobre seu território, entre outros.

Na ONU, a via para se obter o reconhecimento do Estado funciona da seguinte maneira: o Conselho de Segurança, por voto afirmativo de 9 de seus 15 membros, incluindo todos os 5 permanentes, recomenda à Assembléia Geral seu ingresso, que deve aprová-lo por 2/3 dos 194 países que a compõe. Assim, os membros permanentes possuem o chamado direito de veto, que se sobrepõe inclusive à unanimidade dos demais. Ou seja, se 14 membros apoiarem o Estado Palestino, os EUA usarão o veto, obstando o encaminhamento da proposta.

Pedido de reconhecimento

Feito hoje, o pedido de reconhecimento da Palestina como Estado e sua admissão como membro da ONU tem por base as fronteiras de 1967, que inclui a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A iniciativa é apoiada pela maioria dos países, entre eles o Brasil, China, Rússia e França (embora Sarkozy tenha proposto uma solução alternativa). Segundo o mapa do próprio Estado de Israel, as fronteiras configuram-se da seguinte maneira.

Os quatro pontos objetos de discórdia

  1. A divisão da cidade de Jerusalém.
  2. Fronteiras da Cisjordânia, onde Israel assentou milhares de judeus. Além disso, é nessa região que se concentram as fontes de água, do rio Jordão e suas bacias.
  3. Refugiados: Israel não aceita seu retorno. Palestina admite negociação de compensação.
  4. Segurança: Israel deseja que eventual Estado Palestino seja desmilitarizado. Palestinos não abrem mão das prerrogativas atribuídas a todos os Estados.

Posição dos EUA

Washington defende a solução do conflito fora da ONU, argumentando que a paz na região não será alcançada através do reconhecimento do Estado, mas com negociações bilaterais.

Em discurso na AG, há 2 dias, Barack Obama deixou claro que vetará a proposta do Estado Palestino ao afirmar que “o compromisso dos EUA com a segurança de Israel é inabalável”.

Mahmoud Abbas, durante discurso de Barack Obama

Opinião

A iniciativa de Abbas de jogar o problema para a ONU representa muito mais um instrumento de pressão político-diplomática do que a realidade prática, pois os EUA já haviam avisado que vetariam qualquer proposta nesse sentido. E essa estratégia funcionou, pois conta com respaldo de 2/3 dos membros, incluindo várias potências e países emergentes, além do apoio de grande parte da opinião pública, inclusive em países historicamente pró-Israel.

Entretanto, há questões do conflito, verdade seja dita, que não podem ser resolvidas. A mais relevante diz respeito aos refugiados muçulmanos, que nunca voltarão à Palestina. Embora a ocupação dos territórios pelos judeus seja uma injustiça histórica, inexiste possibilidade de remediá-la. Israel jamais aceitará seu retorno. Prefere deflagrar uma guerra nuclear antes de fazê-lo.

O isolamento de Israel tornou-se uma preocupação ainda maior com a queda de Hosni Mubarak no Egito, um dos pontos de equilíbrio no Oriente Médio. Caso fundamentalistas ascendam ao poder naquele país, há possibilidade bastante considerável de que as tensões com Israel aumentem. Isso ficou bastante claro com a recente invasão da embaixada israelense no Cairo, após a morte de 5 soldados egípcios na fronteira com o Estado judeu. Situação semelhante ocorre na Turquia, outra potência da região, depois que Netanyahu afirmou que Israel não deve desculpas pelos assassinatos de ativistas turcos no ano passado.

Os EUA, por sua vez, jamais desejaram paz duradoura no Oriente Médio. Temem que os países árabes nacionalizem o petróleo e passem a controlar seu mercado. Daí a vital importância de ter um poderoso aliado como Israel, que para eles, nada mais é do que um braço político-armado numa região que concentra as principais fontes de energia do planeta e que afeta diretamente seus interesses econômicos.

Em outras palavras, a constante ameaça dos países árabes de destruir Israel justifica o apoio e a proteção dos EUA. Se a região fosse pacificada, e Israel vivesse em harmonia com seus vizinhos, Washington se tornaria desnecessário, abrindo caminho para que sua influência e presença na região fossem consideradas ainda mais intrusivas.

Assim, formou-se uma relação de interdependência entre EUA e Israel. Enquanto o primeiro consente com as políticas expansionistas e de ocupação, vetando praticamente todas as reiteradas sanções aprovadas no CS da ONU, o segundo atua de acordo com as diretrizes de Washington.

Isso é um fato que remonta aos tempos da política externa empreendida por Henry Kissinger, que por diversas vezes teve oportunidade de promover a paz na Palestina durante os anos 1970, mas preferiu não fazê-lo.

Claro que se trata de uma visão simplista de um mundo extremamente complexo. Tanto sionistas como fundamentalistas islâmicos possuem ódio religioso secular e não toleram credos que não os seus. Países árabes até hoje negam o reconhecimento do Estado de Israel, e fazem vista grossa à atuação de grupos terroristas em seus territórios, quando não lhes fornecem recursos financeiros, proteção diplomática e armamentos.

Precisamente em relação ao direito internacional, falta coerência aos EUA (a qual é por eles tanto cobrada do Brasil). A questão da Palestina, ao contrário do que Barack Obama afirma, desde 1947 tornou-se uma questão de ameaça à paz internacional com as freqüentes e graves violações de direitos humanos (de ambas as partes, mas principalmente dos judeus), cuja obrigação de resolver cabe – em caso de irresolução bilateral, como o é esse – exatamente às Nações Unidas.

Quanto ao futuro, caberá a Mahmoud Abbas decidir que caminho trilhar: insistir na criação do Estado, deixando o ônus do veto aos EUA, sem dúvidas uma vitória moral com apoio de grande parte da opinião pública, porém acompanhada de corte nos repasses financeiros e mais atritos com Israel. Se Abbas retomar as negociações diretas, será visto na Palestina como um fraco, embora possa angariar mais poder de negociação nas mesas internacionais. Por fim, pode escolher a proposta de Nicolas Sarkozy, de dar à Palestina a condição de Estado-observador, que não precisa de aprovação do CS, e a imediata retomada de negociações.

Independente da decisão que tomar, a história da Palestina passou a ser reescrita em 2011.

PS: Para fontes, favor consultar o autor.

Jeitinho brasileiro das cotas raciais

20 set

Um dos sinais distintivos de nosso povo é o velho e famoso jeitinho brasileiro. Objeto de vários estudos nos campos social, psicológico, histórico e antropológico, trata-se de traço de identidade inscrito na cultura e extremamente complexo. Embora a maioria dessas pesquisas se baseie num aparente empirismo, complicada a comprovação de seus resultados no mundo real, pois excluídos aspectos importantes na abordagem ou porque acompanhadas de juízos pessoais.

Por isso não se estabelecem consensos sobre suas características, origens e, para alguns, até sobre sua existência. De qualquer maneira, as conclusões dos autores mais gabaritados vêm acompanhadas de argumentos robustos dificilmente contestáveis.

A colonização feudal, a religião católica e o apriorismo jurídico seriam causas determinantes. Alguns o definem como uma forma tangencial de se decidir um conflito. Uma minoria contemporânea tem lhe atribuído qualidades positivas, como a criatividade e a capacidade de se transpor obstáculos e situações adversas.

Particularmente, simbolizo o jeitinho brasileiro sob duas feições, que às vezes se revelam de forma simultânea: a primeira é a pura e simples transgressão da lei, ainda que em circunstância aparentemente inofensiva, com a finalidade de se obter vantagem, esquivar-se da penosidade das formalidades e trâmites a todos estabelecidos ou furtar-se do cumprimento de uma sanção.

Muito freqüente, para não dizer incessante, é prática inescrupulosa dos indivíduos e das empresas. Comprar um produto pirata, sonegar impostos ou dissuadir o guarda de trânsito de multar um veículo são exemplos cotidianos, muitas vezes reputados legítimos.

A segunda, gravíssima, diz respeito ao tradicional costume de se pretender resolver problemas históricos e permanentes através de medidas paliativas, que geralmente também violam as leis e até princípios constitucionais fundamentais. A excrescência, neste caso, é ainda mais danosa, pois anuída pelo poder político e muitas vezes pelo poder judiciário, cuja prerrogativa é exatamente corrigir as viciosidades legislativas e não com elas consentir.

As cotas raciais, existentes há uma década, são emblema dessa perversidade incrustada no sistema e indício de sua falência. Aqui, o jeitinho brasileiro aplicado pela classe política à sociedade demonstra-se obscuro na medida em que busca resolver a educação pública ao custo da igualdade, conquistada mediante o massacre de tantas vidas, negras e brancas.

Trata-se da institucionalização da segregação racial, dissimulada sob os subterfúgios retóricos da implantação das políticas afirmativas e da reparação de uma injustiça histórica, cujas conseqüências – já observadas em Estados que discriminaram seu povo pela cor da pele – são trágicas: aumento do ódio e aprofundamento das dissensões sócio-raciais.

Na realidade, o propósito desse sistema é angariar, por meio da roupagem ideológica da inclusão, apoio e sustentação para grupos político-partidários funestos, dos quais a pretensão é unicamente se promover. Em uma palavra, demagogia – que nada mais é do que a manipulação dos sentimentos dos indivíduos para conquistar e manter o poder. Do contrário fosse, cobrariam e fomentariam o aperfeiçoamento e a qualidade da educação pública.

Aceitar hoje passivamente a violação da igualdade, sem a qual fatalmente ruem as já frágeis democracia e república, significará no futuro a inevitabilidade da luta para restaurá-la.

Talvez então aprendamos, pois conforme o jurista e filósofo Rudolph Von Ihering já ensinara no século XIX, “o amor que um povo dedica a seu direito, o qual defende com energia, é determinado pela intensidade do esforço que esse bem lhe custou. Os laços mais fortes entre um povo e seu respectivo direito não se formam pelo hábito, mas pelo sacrifício”.  

Mania nacional, entrelinhas e a imprensa

24 ago

Hoje fui surpreendido pela notícia de que a presidente Dilma Rousseff replicou o teor do artigo publicado na revista The Economist. Os britânicos fizeram questão de nos advertir, mais uma vez, que o interesse principal de alguns membros dos partidos menores que compõem a base governista não é ideológico, mas visar a cargos ou ao desvio de dinheiro público. Embora não seja um atributo exclusivo dos nanicos, jamais demais lembrar, não é mesmo? O restante, nada além da reprodução do noticiário das últimas semanas. A oposição de Dilma, porém, é acontecimento que merece destaque por duas razões.

I

A primeira porque é extraordinariamente incomum agentes do mais alto-escalão político de Brasília contestarem publicamente acusações ou maledicências da imprensa. Normalmente, sucedem balbúrdias e agitações nos bastidores. Diante das câmeras e microfones, no máximo repúdios tergiversantes ou ilações falaciosas, raríssimas franquezas diretas sem rodeios, como neste caso.

Minha lógica ridícula, limitada, que só usa 10% da cabeça animal, leva-me a crer que Dilma só respondeu por se referir a críticas procedentes dos vassalos de tia Beth.

Indignar-se com censuras estrangeiras ao Brasil é comportamento emblemático do indivíduo brasileiro. É fenômeno recorrente que gera coesão social. Irrelevante se o conteúdo é válido ou zombado. Não é preciso viajar muito no tempo para relembrar casos notórios.  

Em 2009, Robin Williams afirmou que o Rio de Janeiro fora escolhido sede das Olimpíadas por sua delegação ter levado “50 strippers e meio quilo de pó”, enquanto a de Chicago, Oprah Winfrey e Michelle Obama. No ano seguinte, Sylvester Stallone filmou no país o vão Os Mercenários. Disse depois: “Lá você pode atirar nas pessoas, explodir coisas e eles dizem ‘Obrigado! E aqui está um macaco para você levar para casa’.”

As sabidas brincadeiras, todavia, produziram uma aversão desmedida do público e das instituições. O Comitê organizador das Olimpíadas do RJ, por exemplo, chegou ao ridículo de ameaçar processar Williams. Stallone, por sua vez, pediu desculpas lamuriosas ao Brasil.

Em ambas os casos, a imprensa teve papel preponderante na deflagração dos protestos irados. Quem assistiu às polemizadas entrevistas destes artistas notou claramente o tom alegre e jocoso das manifestações. Omitiu-se, também, a estupefata crítica de Stallone sobre a necessidade da presença de 70 seguranças para as filmagens, além de seu espanto sobre a insígnia do BOPE.

Declarações sisudas também ficam na memória. Charles De Gaulle dizia que o “Brasil não é um país sério”, irrefutabilidade que atravessou os tempos. Em 2004, o jornalista norte-americano, William Larry Rohter, publicou artigo no NY Times no qual afirmou que Lula consumia álcool imoderadamente, o que minava sua capacidade de dirigir o país. Resultado? Rejeição maciça ao jornalista e ao jornal. Sem contar o cancelamento de seu visto pelo governo, que só voltou atrás após desculpas formais.

Parece-me que os brasileiros só se associam quando há uma quase completa convergência de idéias. Indispensáveis a existência do elemento comum a ser combatido, e o impulso da mídia formadora de opiniões, às quais se aderem sem sequer rasas reflexões.

II

Volto à contestação de Dilma, feita em entrevista à Rádio Metrópole, de São José do Rio Preto, e explico a segunda razão por que ela é merecedora de destaque. Vejamos seu conteúdo:

“Agora, infelizmente, as revistas estrangeiras não entendem muito os costumes políticos no Brasil.”

Declarações desastradas de pessoas públicas são freqüentes. Dilma, porém, possui vasto repertório, o que denota mais espontaneidade do que propriamente ausência de aptidão política para aparecer e falar em público. E sinceridade é qualidade raríssima em políticos brasileiros. Embora lhe possa ser prejudicial, trata-se de um bem a ser preservado, ainda que resulte no reconhecimento, pela autoridade máxima da República, da depravação ética e jurídica que toma conta dos poderes públicos.

Afirmar que as revistas estrangeiras não entendem muito os costumes políticos no Brasil nada mais é do que uma forma oblíqua de dizer por aqui tudo isso é corriqueiro, mesmo porque, a The Economist reproduziu tão-somente o que toda a imprensa nacional, analistas e as pessoas em geral têm, há tempos, dito e analisado acerca da conjuntura de Brasília.

III

A imprensa, como se vê, ora presta ora prejudica. Beneficia, por exemplo, ao investigar, denunciar e apurar crimes, tal como ocorreu por duas vezes, recentemente, com a revista Veja, cujos préstimos foram inclusive lembrados pela revista britânica no artigo. Aliás, a edição da última semana também relata o escândalo dos cargos públicos federais de livre-nomeação, mais de 20 mil, utilizados de forma imoral como moeda de troca e barganha, além de propiciarem os elevados índices de corrupção. A título de comparação e para ficar adstrito ao Reino Unido, lá esse número não chega a 100, incluindo os ministros.

Em contrapartida, a imprensa não raro manipula dados e informações, além de dirigir as notícias segundo critérios não pautados pela ética e imparcialidade. Por que não engendrar, por exemplo, uma campanha cidadã contra a corrupção que tem contaminado o Planalto? Vemos tentativas na internet de impulsionar movimentos em prol de um interesse comum, quase sempre frustrados exatamente em razão da ausência de apoio midiático, que alavancaria de forma determinante a adesão da população. Verdade seja dita, isso não ocorre devido ao conluio dos partidos e lideranças com a imprensa: elevam-se as cotas de publicidade de estatais em troca da condescendência e omissão jornalísticas.

Inexistem fórmulas para impedir o funcionamento e a existência desses paradigmas. Soluções estariam no topo da pirâmide, o governo; ou na base, a população. Ambas são remotíssimas: a primeira porque, a cada dia, evidencia-se que a classe política não abrirá mão de seu modus operandi devasso; e a segunda porque a população é mobilizada por entidades e lideranças que estão corrompidas pela classe política dirigente, e influenciada pela imprensa cujos interesses não se coadunam com os populares.

Uma terceira via estaria no fortalecimento de instituições como o Ministério Público, Tribunais de Contas e Controladorias Gerais. Entretanto, isso também depende principalmente da atuação da classe política e de cobranças da sociedade civil, o que significa mãos atadas. Se você aguentou até aqui, é porque se interessa por um desenlace.

Aristóteles dizia que é afortunada a democracia na qual a riqueza é moderada, pois se as desigualdades fossem profundas, os pobres usariam seu poder de maioria para dividi-la. O pensamento aristotélico, neste texto, longe de ser uma retórica crítica à desigualdade brasileira é, acima e antes, lição de que somos senhores do nosso futuro.

Razões da queda de Muammar Kadafi

23 ago

O conflito na Líbia está nos capítulos finais. Muammar Kadafi não tem mais apoio e sua derrota é questão de horas. A capital Trípoli já está tomada pelos insurgentes. Possível que quando termine esse texto ele já esteja foragido, rendido ou morto.

Kadafi está no poder há mais de 40 anos, muitos dos quais caracterizados por crises políticas e internacionais. Sua trajetória é marcada por discórdias, tanto com países ocidentais quanto árabes.

O líder líbio recusou-se a promover uma política moderada em relação a Israel e principalmente aos EUA, que em 1986 bombardearam o país, matando mais de 130 pessoas, entre elas parentes de Kadafi. Sempre incentivou e financiou grupos extremistas. Acabou por alinhar-se à URSS, encontrando resguardo soviético no equilíbrio de forças que caracterizou a Guerra Fria. Abrigou dois terroristas acusados de explodir um avião da Pan Am na Escócia, tendo por isso sofrido diversas sanções e embargos do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nos anos 1990, entrou em atrito com palestinos e árabes em razão destes dialogarem com Israel. Durante a última década, voltou a se aproximar dos EUA de George W. Bush, que suspendeu os embargos e retirou a Líbia da lista negra norte-americana.

Após desafiar por tantas vezes as potências internacionais dirigentes e ter se mantido no poder, hoje importa compreender as razões da derrocada do regime líbio. Para isso, em primeiro lugar, devo analisar como funciona o sistema internacional.

As relações entre os Estados e o direito internacional distinguem-se por ser uma semi-anarquia. Semi porque há Estados que determinam ou pretendem determinar os rumos que os países devem tomar, nos aspectos político, ideológico e principalmente econômico. E anárquico, pois as regras internacionais são inócuas quando obstam interesses particulares daqueles.

Na maioria das vezes, esse modo de organização funciona, pois há uma auto-imposição às regras internacionais, isto é, os próprios Estados respeitam-nas voluntariamente. Quando isso não acontece, dispõe-se de meios e órgãos para solução dos imbróglios, como a diplomacia, a intermediação e a atuação de organismos internacionais, como a OMC e a CIJ.

Contudo, a questão é agravada quando um Estado deliberadamente não observa uma norma de direito internacional ou mesmo um tratado. Embora existam meios ainda mais incisivos para se coagir esse Estado ao cumprimento da regra – imposição de sanções, embargos, rupturas das relações, etc. – inexiste um poder capaz de impor determinada conduta, como existe no direito interno.

Nestes casos, recorre-se ao uso da força, último recurso a ser utilizado – após esgotamento dos demais. Este, por sua vez, é regulamentado por normas de direito internacional estabelecidas na Carta das Nações Unidas, que prevêem a possibilidade de ações armadas apenas em caso de ameaças à paz internacional, após aprovação pelo Conselho de Segurança.

Isso é decorrência do princípio da não-intervenção e da própria autodeterminação dos povos, ambos relacionados à soberania, conceito existente há 400 anos. O sistema internacional, em tese, foi construído para que nem os Estados tampouco as organizações internacionais imiscuam-se nas questões internas dos demais, por quaisquer meios, pacíficos ou beligerantes.

Apenas na última década, porém, podemos identificar a ocorrência da violação do direito internacional, todas conhecidas pelo público em geral. O genocídio em Darfur (Sudão) e a atual crise humanitária da Somália (à qual dedicarei um artigo em separado), em que grupos terroristas opressores subjugam milhões de miseráveis, com o consentimento velado das potências. Ambos são exemplos de graves violações dos direitos humanos, tutelados pelo direito internacional e que constituem a razão precípua de sua existência.   

Por outro lado, vimos duas graves violações do direito internacional pelos países ocidentais: a Guerra do Iraque, em que os EUA e o Reino Unido desrespeitaram a decisão do CS da ONU, o que, embora não tenha sido inédito, foi um duro golpe na credibilidade da organização e na manutenção da segurança internacional. E a recente intervenção da Líbia, à qual passo a tratar.  

O caso da Líbia, como se sabe, é um conflito interno que não constitui ameaça à paz internacional. A justificativa para a intervenção daquele país é fundada em princípios superiores, isto é, a proteção da vida dos civis – excluam-se os rebeldes, pois atentam contra a ordem do Estado e o poder constituído. Nem seria necessário a Carta da ONU estipular, em seu preâmbulo, que a vida e a dignidade humana devem e serão protegidas, pois trata-se de valores universalmente reconhecidos, o que, por si só, sobrepõem-se às próprias leis internacionais e que devem ser respeitados e observados por todos os Estados.

Daí por que o Conselho de Segurança ter aprovado a Resolução 1973, cuja finalidade originária era impor uma zona de exclusão aérea naquele país, com vistas a impedir que Kadafi massacrasse os rebeldes, e junto com eles, civis.

Entretanto, o que se viu foi o completo desvirtuamento da operação, tendo as forças militares da OTAN bombardeado Trípoli por diversas vezes, matando inúmeras pessoas, inclusive crianças – além de destruir escolas e hospitais. A ilegalidade foi manifesta a ponto de aliados, como a Itália e a Alemanha, anunciarem o abandono da operação; além da Rússia e outros países, inclusive árabes, antes favoráveis à intervenção, passarem a repudiá-la.

Isto já era previsível, pois foram poucas as vezes que vimos o dispêndio de recursos financeiros e militares com o propósito exclusivo de proteger a vida de civis. Ou seja, há interesses e conveniências escusos, alheados da opinião pública pela imprensa, e principalmente pelos discursos oficiais dos interventores.

Tanto a retórica moralista-humanitária de Bill Clinton e Barack Obama, quanto a guerra ao terror empreendida por George W. Bush, são, na verdade, meros subterfúgios para a manutenção da hegemonia ocidental no sistema internacional, e para a consecução de interesses públicos, privados e geopolíticos. Infindáveis são os exemplos. Aqui, vou me ater às questões da Líbia.

  1. A Líbia possui a maior reserva de petróleo da África e a 9ª maior do mundo, com capacidade para exploração de mais de 47 bilhões de barris, segundo dados da própria CIA. Acresçam-se importantes reservas de gás natural (22ª do planeta) – cinco vezes maior que a do Brasil, por exemplo. Ambas as energias já possuem infra-estrutura para imediata exploração.
  1. A rebelião na Líbia não deflagrou na capital, Trípoli, mas em Benghazi, cidade onde se concentra a extração e o refinamento de petróleo, e em que a China, de acordo com informações de seu governo, possui ao menos 50 importantes empreendimentos e investimentos, entre os quais na indústria petrolífera e na construção civil.

Benghazi: pólo petrolífero

  1. Kadafi não se submete aos comandos e às diretrizes ocidentais no continente africano, engendrados a partir de 2007 para contrabalancear a crescente influência chinesa.
  1. A Líbia possui a maior extensão litorânea do Mar Mediterrâneo no norte da África, constituindo importantíssima rota comercial e estratégica.

Extensão do litoral líbio: importância estratégica

  1. A OTAN, organização militar criada após a II Guerra para proteger a Europa de uma possível invasão soviética, perdeu a razão de sua existência com o colapso da URSS. Desse modo, há uma necessidade reiterada das potências ocidentais em, de tempos em tempos, reafirmar seu poderio e serventia militares.
  1. Kadafi, além de ter elevado o preço do petróleo produzido na Líbia, pretendia comercializar o petróleo apenas em troca de ouro. Ademais, tinha planos de instituir, em conjunto com os demais países africanos, uma nova moeda, também com base no ouro, o que romperia radicalmente os paradigmas do sistema monetário internacional.

Em síntese, estas foram as principais razões que levaram à queda de Muammar Kadafi. É possível que Pequim e Moscou tenham sido ingênuos ao não vetar a intervenção no CS da ONU, já que a previsibilidade de seu desvirtuamento era notória. Ou talvez não estejam dispostos, por enquanto, a enfrentar os EUA pelo controle das diretrizes internacionais.

Com o agravamento da situação na Síria e as exigências públicas dos EUA e aliados pela saída de Bashar Al-Assad, é razoável prever que as relações dos países que compõem o CS da ONU se estremeçam, embora especialistas considerem remota a possibilidade de nova intervenção militar.

O que não se descarta, contudo, são outras formas de intervenção, tal como ocorreu na Líbia e que contribuíram de forma determinante para a derrocada do regime de Kadafi, isto é, provisão de armas e recursos financeiros aos rebeldes, pressões diplomáticas secretas através dos agentes de inteligência, fornecimento de treinamento militar tático-estratégico, embargos econômicos, sanções, entre outros.

Os discursos que têm justificado as intervenções no mundo árabe também não se sustentarão. Aliás, a campanha líbia foi também liderada pela França, exatamente devido ao esgotamento da retórica em Washington e Londres. Daí por que dividir a responsabilidade e o ônus com Paris.

Quando da morte de Osama Bin Laden, eu afirmei que os EUA, mais cedo ou mais tarde, teriam sua hegemonia econômica ameaçada – o que se evidencia com o passar do tempo – e que os rumos do mundo dependeriam muito da forma pela qual a sociedade estadunidense lidaria com essas mudanças. Mais do que nunca isso parece verdadeiro. 

O Fim da História e o Choque de Civilizações

19 ago

O colapso da URSS representou a primazia do capitalismo sobre o comunismo. A dicotomia político-ideológica, presente desde a Revolução de 1917, e principalmente após a II Guerra Mundial, perdeu importância e cedeu lugar à reorganização geopolítica, polêmica perdurada até hoje.

A pauta do debate não mais consiste em como os Estados se organizam, pois a prevalência do sistema ocidental de organização política e econômica é consensual. Our way is the only way fora uma expressão que correspondia de forma clara à tendência de ocidentalização erigida no pós Guerra-Fria.

As conseqüências dessa supremacia, contudo, ainda são desconhecidas. Duas décadas é um curto período para se fazer uma avaliação concludente, sobretudo num mundo globalizado, que sofre influências dos mais variados fatores e em que as mudanças ocorrem rapidamente.

Exceção feita à economia de mercado e ao antagonismo clássico entre direita e esquerda, passou-se a discutir os rumos da humanidade conforme questões sociais, culturais, religiosas e tecnológicas. Duas teorias controversas e, de certo modo, opostas, procuram predizer-nos.

A primeira (1989), de Francis Fukuyama, publicada em um artigo da revista The National Interest e, posteriormente, transformada no livro O Fim da História e o Último Homem (1992), assevera que as democracias liberais ocidentais são o último estágio de desenvolvimento político-governamental da humanidade. Assim, as sociedades inevitavelmente convergirão para esse sistema fundado basicamente na concepção universalista-individualista, existente desde as Revoluções Americana e Francesa.

A influência hegeliana é patente na obra de Fukuyama, embora ele admita que esse processo de mudança das sociedades que ainda não estão politicamente organizadas sob o sistema ocidental possa levar séculos. Ainda, retrocessos entrementes podem ocorrer. O ponto central da teoria está no reconhecimento de que a democracia liberal ocidental é a forma de exercício de poder e de governo mais vantajosa sob o prisma ético e econômico.

Sua tese, claro, foi amplamente criticada. O fim da história não é plausível enquanto houver possibilidade de desenvolvimento humanístico, científico e tecnológico – Fukuyama, posteriormente, assumiu essa fratura do seu pensamento. Ademais, várias outras concepções a refutam, ou até caminham na mesma linha de pensamento, porém em direções diferentes, como é o caso do marxismo e do anarquismo. Outros ainda a vêem com certo desdém, sugerindo se tratar de mera homenagem ao triunfo do capitalismo.

A contraposição direta e principal, contudo, surgiu através de um artigo publicado na revista Foreign Affairs (1993), também transformado em livro, O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial (1996). A intenção do autor, Samuel Huntington, era, de fato, responder a Fukuyama.

Para Huntington, o pós Guerra-Fria será caracterizado não pela inevitável conversão às democracias liberais ocidentais, mas pela substituição do conflito ideológico (comunismo x capitalismo) pelo choque das civilizações, que consiste basicamente no conflito cultural dos povos.

Ele divide o globo em sete principais civilizações: ocidental, ortodoxa, islâmica, africana, sínica, japonesa e hindu. Existem outras, mas devido ao seu tamanho ou à aproximação com as demais civilizações predominantes, têm menor importância na análise, como a budista, a judaica e a latino-americana.

As civilizações segundo Huntington

Seus principais argumentos, além de uma porção de estudos e pesquisas empíricas, consistem na aversão das civilizações não-ocidentais ao universalismo ocidental e no conflito entre islâmicos e não-islâmicos. 

A questão da concepção universalista ocidental – liberdade e igualdade individuais, a separação entre autoridade religiosa e autoridade terrena, e mesmo o conceito de democracia, de fato, não são amplamente aceitas em civilizações não-ocidentais. Embora seja inegável que algumas civilizações tenham se desenvolvido científica e tecnologicamente (o Japão é o melhor exemplo) e adotado práticas surgidas no ocidente, isto não significa que sua cultura tenha convergido para este modelo.

Aliás, as práticas do ocidente, Huntington garante, não sinalizam sequer a ascensão do multiculturalismo, mas somente a adaptação dessas civilizações às necessidades da economia globalizada. Nem mesmo o uso da língua – um dos principais fatores de identidade cultural – demonstra essa convergência.

A modernização ou as relações multilaterais pacíficas também não são indícios da ocidentalização, como vários pensadores sustentam. Ele as vê como mera conveniência geopolítica.

Em relação ao islamismo, a principal problemática está na teocracia e nas altas taxas de natalidade (ainda que elas tenham regredido nos últimos tempos). A enorme dificuldade em se modernizar, por exemplo, é resultado desse fanatismo religioso e da aversão mais aguda ao ocidente, indubitavelmente a mais avançada na ciência e na tecnologia.

De modo geral, Huntignton prevê que a principal origem dos conflitos será a cultura, cuja identidade é determinada predominantemente pela religião, valores, práticas e crenças.

Mas, afinal, quem estava certo? Ambos!

A história é repleta de avanços e retrocessos. É um ciclo comum, explicado pela psicologia social. Quando uns visam ao progresso – entendendo o progresso como qualquer mudança – forças contrárias certamente emergirão.

O colapso do sistema financeiro ocidental em 2008, que refletiu e ainda reflete em todo o mundo, revelou ideais ocultos em tempos pacíficos e de bonança. Crises econômicas normalmente aprofundam conflitos étnicos, culturais ou políticos.

As manifestações na Europa, por exemplo, fizeram os líderes das principais economias repudiarem o multiculturalismo e o universalismo ocidental, pregado desde o fim da II Guerra Mundial pelos governos da Alemanha, Inglaterra e França. O atentado na Noruega, país com os índices altíssimos de desenvolvimento sócio-humano, corrobora aquilo que Huntington advertira há quase 20 anos, isto é, o choque das civilizações, em que a intolerância exerce uma das causas principais.

A primavera árabe, por outro lado, constitui exemplo daquilo que Fukuyama previra. Muito embora não se trate de uma ocidentalização dos países islâmicos, as insurgências contra regimes autoritários, mediante a utilização de tecnologias ocidentais, como a internet, corroboram que mesmo os indivíduos que têm no fanatismo religioso seu principal sustentáculo, podem ser influenciados pelo racionalismo ocidental, neste caso traduzido pelas garantias individuais em face do Estado e pelo anseio democrático.

Tanto a profecia de Fukuyama quanto a de Huntington ocorrem e deverão continuar a ocorrer, ora com interstícios de paz, ora de conflitos; ora mediante governos democráticos, ora autocráticos ou teocráticos; ora com riqueza, ora com pobreza. 

Fora do poder, Lula continua erra(n)do

14 jul

Seja por falta de outros nomes capazes de derrotar a oposição na capital ou por caprichos particulares, Lula quer emplacar a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo.

Sabe-se que já há algum tempo a possibilidade está na agenda de discussões do PT, cuja inquietação não é infundada, afinal, trata-se do município com maior arrecadação e produção de riquezas do país.

Também, é reduto da oposição, que no passado recente venceu a maioria das eleições sem muitas dificuldades – exceção feita a um interstício petista, de Marta. Derrubar essa relativa hegemonia é o maior objetivo do PT e de Lula em 2012.

Entretanto, o desafio não será fácil, especialmente se Serra concorrer de novo, possivelmente com o apoio do atual prefeito, seu pupilo e dissidente do DEM, que não raro é flagrado flertando com petistas, peemedebistas e outros aliados da esfera federal tentando obter apoio para seu partido recém-fundado.

Hoje, as possibilidades petistas são inúmeras. Consensual mesmo é que o partido terá candidato próprio. O surgimento do nome do atual ministro da educação, Fernando Haddad, aparece em primeiro na lista de preferência do chefe – o que significa uma vantagem imensa, senão o próprio desenlace, pois no partidão suas vontades quase sempre se consubstanciam em mandados.

Marta e Mercadante, antigos conhecidos do eleitorado paulista, correm por fora. A atual senadora tem atuado de forma satisfatória para os padrões brasileiros no Senado. O ministro da ciência e tecnologia, por outro lado, é de novo protagonista principal no escândalo dos aloprados, que se arrasta desde 2006, e cujo desfecho e punição dos culpados parecem remotos. Ambos não têm cacife para derrotar Serra em São Paulo.

A candidatura de Haddad se fundaria na plataforma de mudança e renovação, acompanhada de um currículo acadêmico favorável do ministro. Embora seja uma hipótese que poderia ser aceita pelo eleitorado, sua atuação à frente do MEC tem sido desastrosa, gerando desconfianças entre os petistas.

Atulhado de projetos falhos, declarações estúpidas e posturas inadmissíveis, o mandato do ministro distingui-se pelos desacertos.

O ENEM, sem dúvidas, é o caso que mais evidencia a inépcia que toma conta da pasta. Em 2009, não esqueçamos, a prova foi furtada por funcionários da gráfica responsável pela impressão da prova, gerando prejuízos enormes para o erário – que ainda não foi ressarcido. O exame foi adiado e a abstenção recorde chegou a mais de 1/3 dos inscritos, mais de 1 milhão e meio de pessoas.

Ano passado, várias provas apresentaram erros nas folhas de respostas, lesando outros milhares de alunos. E pior: o MEC, por meio de seu twitter oficial, afirmou “monitorar” os estudantes, e ameaçou processar os que já haviam “dançado” na prova e que estariam apenas tentando “tumultuar com msgs nas redes sociais”. Patrulhamento, agora virtual, que lembra governos não muito democráticos…

O material didático distribuído aos estudantes também é objeto de críticas. A começar pela inflexão político-partidária de algumas obras, que rasgam elogios ao governo Lula e críticas aos antecessores. Um alheamento social nocivo cujas conseqüências são difíceis de avaliar. Certo é que não serão boas.

A utilização de formas gramaticais totalmente descabidas da língua, que doem aos olhos e ouvidos, é admitida no curso de português: “Nós pega os peixe”, segundo o livro, não é errado, somente “inadequado”, e que os alunos que falarem ou escreverem dessa forma devem ter “cuidado” – não porque estarão cometendo erros crassos – mas porque podem sofrer “preconceito lingüístico”.

Talvez o livro tenha tomado como padrão culto os discursos de Lula… Entristece-me o fato de milhões de brasileiros serem sujeitados a esta educação risível.

Haddad alega que a insatisfação geral não tem fundamento, já que os críticos não leram o livro. Ainda utiliza uma metáfora pouco usual para um político: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stalin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stalin lia os livros antes de fuzilá-los. Ele lia os livros, essa é a grande diferença”. Rebaixo-me ao nível do ministro para contradizê-lo: se Hitler não lia, foi mais ignorante que Stalin; logo, o genocídio e limpeza étnica alemães foram muito mais justificáveis do que os soviéticos, pois praticado por um indivíduo cuja capacidade intelectual era reduzida – enquanto o outro, por um ilustrado e culto.

Babaquices como essas são recorrentes na esfera política, mas confesso ter sido surpreendido, pois Haddad é doutor em filosofia e possui vários livros publicados, apesar de discordar da posição preconizada na maioria deles. Tudo bem vai, talvez tenha sido uma declaração impensada, pronunciada em meio às pressões da ocasião e da opinião pública, ansiosa por esclarecimentos.

Ainda, a suspensão do kit anti-homofobia, projeto encabeçado pelo MEC e que estava pronto para ser distribuído nas escolas, mas que foi vetado por Dilma em razão do lobby religioso. No mínimo, falta comunicação entre a presidência e o ministério, que gerou prejuízo da ordem de alguns milhões para os cofres públicos, segundo estimativas oficiais.

Embora seja um chavão recorrente, a educação precisa ser prioridade para o país; e o problema, atacado nas origens, isto é, no ensino fundamental. De acordo com dados da UNESCO, órgão de educação da ONU, o Brasil lidera a América Latina em índice de repetência no ensino básico – 18,7% ante 2,9% da média mundial.

Outras fontes, como do próprio INEP, retratam uma realidade ainda mais alarmante: 23% dos alunos estão atrasados nos estudos; e 34% sofreram defasagem ao longo da vida escolar. No ranking ‘mundial’ (PISA), em que 65 países são avaliados, o Brasil ocupa o 53º lugar.

Ainda que isto não seja privilégio do governo petista, tampouco do governo federal, inexiste um plano efetivo para a educação, comprometido com seu desenvolvimento e progresso. Vários são os problemas para resolver, desde infra-estrutura das escolas até a capacitação e remuneração dos professores.

Fato é que o atual ministro pouco fez e pouco faz nesse sentido – para não repetir todos os danos causados em sua gestão, marcada por incêndios que ele mesmo causou e posteriormente tentou apagar.

Marcelo Rubens Paiva e o zeitgeist petista

6 jun

Nietzsche dizia que a loucura é rara nos indivíduos, mas nas massas é quase sempre a regra.

Ontem li um artigo de Marcelo Rubens Paiva no Estadão, em que faz acusações contra reaças, direita, comediantes, neo-fascismo, Ed Motta, família, entre outros – http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/a-moda-do-reaca/

Começarei do certo e terminarei pelo errado:

De fato, a repressão violenta contra manifestantes na Marcha da Maconha é inadmissível; retrato de uma polícia incompetente e despreparada para lidar com multidões. Aqui terminam os acertos do colunista. Dirijo-me aos erros.

Embora eu sempre tenha deixado claro meu repúdio à dicotomia política clássica e simplista entre direita e esquerda, uso os termos para facilitar a compreensão da mensagem. Até porque, o próprio Paiva diz possuir tendências esquerdizantes.

A régua do bom gosto de Paiva certamente difere da minha. E este é um indício recorrente da esquerda brasileira, e latino-americana em geral: tem dificuldade em conviver na democracia, pois crê na prevalência de suas convicções sobre as demais, e por vezes vemos tentativas de sufocar os destoantes. 

Ser de direita virou sinônimo de preconceituoso, elitista, fascista, contrário aos movimentos sociais, etc. É um simplismo cercado de exageros que funciona numa sociedade deseducada como a brasileira.

Os extremismos, tanto de direita quanto de esquerda, são sempre perigosos e frequentemente flertam com ditaduras e intolerâncias. O modus operandi dos governos totalitários, exemplos típicos daquilo que se tem por extrema-direita, é exatamente o mesmo dos comunistas, exemplos da extrema-esquerda.

Em ambos há a exacerbação do Estado, uma ideologia oficial a que todos devem aderir (por bem ou por mal), um partido único (conduzido, na maioria das vezes, por um só homem), o monopólio das comunicações e o controle estatal da economia.

Daí por que meu repúdio aos simplismos e extremismos.

Num projeto de manutenção do poder a qualquer custo, há a necessidade de criação dessa ideologia oficial, normalmente acompanhada por um inimigo a ser derrotado. No Brasil do PT, ora a elite, ora a imprensa.

A elite, que ninguém consegue definir, é na verdade um corpo fictício criado pelos barões populistas para manobrar a massa deseducada. Se, ao contrário, vocês entendem por elite aqueles que têm dinheiro – a meu ver, única plausível – estão muito mal representados, pois aquilo que vocês chamam de esquerda, hoje enriquece milhões inexplicavelmente.

Já a imprensa, ou o PIG, como gostam de chamá-la os anencéfalos, é a outra inimiga dos pobres e oprimidos. Esquecem-se (ou melhor, omitem), apenas, que os aliados da dita esquerda, são proprietários de vários e vários conglomerados de comunicação nos estados em que os índices de analfabetismo são alarmantes.

O contrário a essa ideologia oficial, portanto, deve prontamente rechaçado. Só que bons observadores, como eu, facilmente percebem as contradições e hipocrisias desse sistema.

Veja, por exemplo, o vídeo de Luiza Erundina em campanha para o PT nas últimas eleições:

Excluindo minha teimosia particular quanto a políticos que berram, os quais eu sempre vejo com desconfiança, observe que a deputada refere-se aos nordestinos como cabeças-chatas.

Se a referência partisse de Diogo Mainardi ou Rafinha Bastos, mencionados no texto, nem preciso dizer que seriam tachados de preconceituosos e execrados pela dita esquerda.

Paiva está contaminado por aquilo que podemos chamar de mal de Lula, enfermidade mental que aflige milhões de estúpidos e que limita o raciocínio lógico e o espírito crítico. Um dos sintomas é exatamente não conseguir diferir uma manifestação notadamente jocosa da preconceituosa. É crer piamente que no Brasil existe uma conspiração da elite e do PIG, embora ninguém tenha provado a existência de nenhum deles. É ser contra a direita mesmo não sabendo o que significa, para ser aceito e inserido na consciência social.

Bem, parafraseando o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, eu “não vejo problema nenhum em ser chamado de direitista. Se direita no Brasil significa a defesa da liberdade pessoal, do estado e do direito de propriedade, sou de direita, sim, com muito orgulho”.

Renúncias – Carta a Dalmo de Abreu Dallari

1 jun

Emérito Professor Dalmo de Abreu Dallari,

Escrevo ao Sr. em referência a seu artigo no qual propugna pela soltura de Cesare Battisti, fundamentando que a competência do Supremo Tribunal Federal para  decidir sobre a extradição do italiano já está exaurida. Contudo, antes de expor minhas razões, devo narrar o porquê dessa carta. De antemão, ao Sr. e aos demais leitores, desculpo-me pela prolixidade, mas cada palavra é essencial para compreender a importância que seu trabalho exerceu em minha formação.

I

Seu livro Elementos da Teoria Geral do Estado foi o primeiro que li na faculdade. Ganhei-o de meu pai, junto com outros tantos que ele usou quando cursou direito na década de 1970. Embora ele não tenha sido militante político ativo, viu de perto a repressão do regime quando a PUC foi invadida pelo exército em 77. Eu e uns amigos fugimos pulando o muro, porque os soldados atropelavam tudo que viam pela frente. Tempos difíceis. – conta.

Por circunstâncias da vida, meu pai não seguiu carreira jurídica. Por isso herdei seus livros; vários foram muito úteis, outros nem tanto. O do Sr., em particular, teve menção especial de meu pai, na quarta-feira nublada, da minha primeira semana como universitário, dia em que fui buscar os livros em seu escritório. Uma caixa de papelão velha, pesada e empoeirada. Ergui-a com certa dificuldade para encaixá-la no porta-malas. Antes de despedir e agradecê-lo, porém, ele me entregou em mãos um livro verde, antigo, capa-mole e com poucas páginas em comparação com os da caixa. Disse-me: Você não lerá todos esses livros, contudo, a leitura deste é imprescindível.

Era o livro do Sr., e na hora não o indaguei sobre tal importância, pois sabia que 15 ou 20 minutos de excursão às histórias da vida acadêmica de meu pai representaria 1 hora a menos da minha no trânsito caótico de São Paulo. Então peguei o livro e fui embora.

Coincidentemente, naquela quarta-feira tive minha primeira aula de Teoria Geral do Estado, e a professora passou um trabalho à turma. O tema do meu grupo era contratualismo e o surgimento do Estado, com ênfase particular nas teses de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Eu fiquei incumbido de fazer a introdução do trabalho, daí por que seu livro foi a minha primeira leitura da faculdade. Citamos o Sr. junto aos inovadores jusnaturalistas.

Nem preciso abri-lo para lembrar que se trata da 2ª edição, impressa em 1973, cujo prefácio de uma página foi escrito em 31 de dezembro de 1971. Hoje, anos depois, ainda conservo a recordação intacta em minha memória, sobre sua digressão acerca da inevitabilidade da intervenção do Estado visando à justiça social; e sobre a necessidade dos acadêmicos de conhecer o Estado, seu funcionamento e modo de organização.

Graças a seu livro, logo me interessei pela disciplina. Porém, devido ao tecnicismo exagerado dos cursos, decorrente das exigências do mercado de trabalho – público ou privado – e da OAB, o caráter humanístico do direito foi afastado das salas de aula, dando lugar aos, quase sempre, insípidos diplomas legais. Isso, aliado à minha falta de dedicação acadêmica, fez com que eu fosse reler seu livro apenas anos depois.

Chega a ser aflito como esquecemos os nossos sonhos e ideais à medida que cursamos direito. Assim como a maioria dos meus colegas, quando eu entrei na faculdade queria mudar o mundo, seja lá o que isso significasse. Talvez não significasse nada, mas é prova cabal da nossa indignação diante de tantas injustiças que impingem dor e sofrimento a tantas gentes. Algo certamente está muito errado…

Volto ao livro. Eu estava escrevendo meu primeiro artigo para o jornal do Centro Acadêmico na condição de presidente da entidade; o tema era as formas de exercício de poder e o Estado. Fui pegá-lo em minha estante, solitário entre uma coleção de Ruy Barbosa e outra de Pontes de Miranda, ambas presenteadas por meu pai numa caixa de papelão empoeirada, vários anos antes.

Relacionei os conceitos de exercício de poder ensinados em seu livro com os de outros autores, alguns teóricos, como Georg Jellinek; outros realistas, como Noam Chomsky; e até ficcionistas, como Eric Arthur Blair, mais conhecido por George Orwell, cuja obra-prima escrita no pós-guerra até hoje nos faz recordar dos riscos das tiranias.

Nessa época eu estava imbuído por um entusiasmo alegre por mudança e progresso. Queria contribuir de alguma forma para o resgate do movimento estudantil, outrora tão importante na história, mas que, havia muitos anos estava decadente – talvez em razão da subserviência da entidade representativa dos estudantes brasileiros ao partidarismo governista, em troca de aportes financeiros, e ao custo, em última análise, de nossos interesses.

Só que um ano depois, deixei a política acadêmica resignado. As forças burocráticas e autoritárias haviam vencido minhas aspirações por democratização no ensino e ativa participação dos alunos na Universidade e na sociedade. Mas não foi só.

Junto com minhas frustrações carreguei um fardo inexorável, também existente nos bastidores do dia-a-dia da política e que cada vez mais me parece ser inútil combater: às vezes, encontramo-nos num impasse entre duas ou mais concepções universalmente reconhecidas e aceitas como corretas, mas só devemos escolher uma. Particularmente, escolhi a lealdade – como também a escolheram alguns de meus colegas, outros não. Lições que a vida nos ensina. Aí descobri que não tinha vocação para o exercício da política, que quase sempre é ingrata, e passei a estudá-la à distância, junto ao Direito.

Após esse desafogo, retorno ao Sr. Apenas quando estava trabalhando minha monografia, anos depois, é que li seu livro pela terceira vez. O tema era a evolução dos direitos individuais sob a ótica internacional e sua relação com os sistemas políticos. Seus conceitos gerais sobre o surgimento do Estado moderno, do constitucionalismo e do reconhecimento internacional dos direitos humanos serviram como importantes elementos norteadores. O Sr. dividiu os rodapés e citações com os mestres Norberto Bobbio, Hans Kelsen, Hugo Grócio, Immanuel Kant, entre outros.

E digo isso para demonstrar a importância e o respeito que tenho pelo Sr. e por sua trajetória como jurista e defensor dos direitos dos homens, mas também e principalmente por seu exercício da docência, sem dúvidas o mais honrado que existe, pois dissemina conhecimento, sabedoria e espírito crítico – todos essenciais para a construção de uma sociedade de fato democrática, justa e soberana. Isso pode até causar estranheza a alguns dos leitores, já que raras vezes venho a público elogiar alguém. Mas devo esta singela e humilde homenagem, além do agradecimento pelo livrinho verde, que até hoje preservo com o zelo e desvelo aos quais ele indubitavelmente faz jus.

II

Pois bem, vou agora às razões da exposição, que tentarei fazer de modo mais conciso – até porque é demasiada ambiciosa a pretensão de contestar o Sr. juridicamente. Na semana passada, li seu artigo Prisão Ilegal de Battisti: uma Farsa Jurídica, publicado em diversos sítios eletrônicos (http://www.jusbrasil.com.br/politica/7064167/prisao-ilegal-de-battisti-uma-farsa-juridica).

Analisando o caso sob o prisma exclusivo do processo de extradição, o STF nem deverá conhecer da reclamação da Itália, no próximo 08/jun, pois ela não figura como parte. Entretanto, inegavelmente possui interesse na demanda – ao contrário do que afirmou o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, em sua manifestação juntada aos autos. Resta somente saber qual o modo conveniente para impugnação do ato, cuja revisão jurisdicional é, conforme será demonstrado, cabível.

Se conhecida, a reclamação, prevista no artigo 156 do Regimento Interno da corte, deve ser submetida à decisão do plenário, que julgará se houve ou não descumprimento de sua decisão anterior.

Na questão do mérito, o procurador-geral da República propugna pela improcedência, alegando que, uma vez decidido pelo STF que caberia ao presidente resolver sobre a extradição nos termos do tratado – termos registrados no acórdão – não houve descumprimento da decisão, hipótese de cabimento deste expediente processual.

Mas, ao estabelecer a discricionariedade do presidente da República, nos termos do tratado, sobre a entrega ou não de Battisti à Itália, o STF impôs limites à atuação do Chefe do Executivo.

Por conseqüência, cabe à própria corte julgar se tais limites foram ou não respeitados. Do contrário, a discricionariedade se transformaria em arbitrariedade. Assim, tendo em vista o teor do acórdão nesta questão, fica claro e notório que a palavra final cabe ao presidente, mas em termos determinados.

E propor a exclusão da competência jurisdicional para revisão do ato de entrega do extraditando seria descumprir o próprio acórdão, que especificamente estabeleceu os parâmetros de ação do agente público. Caso esses parâmetros sejam extrapolados, torna-se necessária a atuação do poder judiciário.

Assim, se a corte decidir pelo conhecimento da reclamação, passa à análise da questão material, isto é, se os fundamentos que justificaram a recusa estão ou não de acordo com o tratado de extradição.

Antes, porém, convém tecer ainda algumas considerações sobre a admissibilidade da revisão judicial deste ato.

A tripartição de poderes, estabelecida no artigo 2º da Constituição, é princípio fundamental da República, de modo que a apreciação judicial dos atos do Executivo é decorrência deste postulado, que visa exatamente ao exercício do controle de legalidade. Excluindo-se essa prerrogativa do Judiciário, não há dúvidas sobre os perigos de se incorrer num governo ditatorial.

Citem-se ainda as garantias fundamentais previstas no artigo 5º da Carta, pelas quais não se pode excluir da apreciação judicial a lesão e a ameaça ao direito. Neste caso, poder-se-ia tranquilamente embasar uma ação popular – como o fizeram – sob os mais variados fundamentos jurídicos, como a moralidade pública constitucional, por exemplo.

Por tais razões principais, embora não únicas, entendo a exclusão da competência jurisdicional sobre a recusa como violação de princípio constitucional, e precisamente do próprio acórdão do STF, que impôs limites de atuação, e, em caso de descumprimento ou extrapolação de tais limites, deve haver meio para manutenção, em última análise, do próprio Estado de Direito e da democracia fundada no controle do poder pelo poder.

Em relação ao mérito, convém transcrever o fundamento alegado pela presidência da República e pela AGU (cujo parecer serviu como embasamento da decisão), previsto no tratado, para recusar a entrega do italiano:

Art. III -1. AExtradição não será concedida:

f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados.

Conforme se percebe, trata-se de dispositivo subjetivo, cuja interpretação deve ocorrer tendo em vista princípios do direito internacional, constitucional e postulados básicos fundados na dignidade humana.

Entretanto, a discricionariedade encontra limites, os quais foram extraídos por alguns dos ministros na ocasião do julgamento, bem como pela AGU e, por conseqüência, pela presidência da República.

Aqui, é imperativo ressaltar que a discricionariedade precisa ser fundamentada, através do exercício lógico da subsunção do fato à norma, ou seja, o enquadramento das razões fáticas que levaram o presidente da República a recusar a extradição nos exatos termos do artigo transcrito.

Com isso, visa-se ao controle material do poder; a fundamentação do ato discricionário é necessária para se verificar se o agente público age ou não dentro dos limites legais. E a legalidade do ato está vinculada à motivação. Caso se conclua que o ato não se adéqua à norma, deve-se anulá-lo. Outra elementar primordial para a manutenção do Estado de Direito.

E isso jamais poderia ser qualificado como interferência de um poder em outro, tampouco como exercício do judiciário de uma atribuição da presidência. O primeiro porque uma das funções do judiciário é exatamente prezar pelo cumprimento das leis. E o segundo porque a soberania é do povo, e não da presidência ou deste ou daquele ente político ou poder. E eu nem preciso citar que há competências constitucionais tanto do legislativo quanto do judiciário que, segundo a mesma lógica adotada, dizem respeito à soberania.

Não há porque dizer, pois, que o exercício da soberania é competência exclusiva presidencial. Soberania não se delega, não se aliena e nem se divide. Pertence ao povo. A Constituição apenas atribui aos entes políticos e poderes, determinadas competências sem as quais o Estado não conseguiria desempenhar suas funções.

Além disso, inadmissível a lógica de o artigo 84, VII, da Constituição, sobrepor-se a princípio fundamental da Carta, entre os quais se situa a separação dos poderes, que devem servir como elementos de interpretação dos textos legais e cuja aplicação e observância não se podem suprimir.

Após essa breve exposição, volto à letra do tratado.

Do dispositivo, tem-se: se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação…. ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados.

Isso significa que o Brasil poderia recusar a extradição caso tenha motivos graves para crer que Battisti possa ser perseguido ou discriminado, ou que sua situação possa ser agravada pelas razões ali previstas.

Desse modo, adéqua-se o fato à norma; enquadra-se a suposição, a crença, a hipótese que levou o agente público a recusar a entrega em razão da perseguição ou discriminação. E esse ponto é crucial para resolução do caso.

A presidência da República não pode simplesmente afirmar que Battisti poderia ser vítima de perseguição sem, no entanto, declarar claramente os motivos. Aí reside a diferença entre discricionariedade e arbitrariedade.

Conforme se extrai do parecer da AGU acatado pela presidência, num emaranhado de 63 páginas, não se deixa claro o porquê da recusa.

Apenas duas questões foram explicitadas no parecer, a partir da página 41: da primeira traduz-se que o italiano poderia ter sua situação agravada em virtude dos registros que a imprensa italiana tem feito da situação.

Preliminarmente, convém dizer que uma decisão jurídica não se embasa ou se fundamenta em matérias e reportagens da imprensa. Isso não comprova ou demonstra, de nenhuma maneira, que a situação do extraditando poderia vir a ser agravada.

O clamor público por justiça, muito em decorrência da atuação da imprensa, cujos fins econômicos e comerciais são tidos como mais importantes do que a seriedade e ética jornalísticas, ocorre com muita freqüência também no Brasil. E, em tantos julgados – inclusive pelo STF – sempre se deixou claro e notório que os protestos da imprensa e da própria população não se sobreporiam às leis e à aplicação imparcial do direito. Cite-se o exemplo da Lei da Ficha Limpa, clamor popular que encontrou óbice na Carta Magna nas últimas eleições, em respeito ao Estado de Direito.

Ainda, numa notável demonstração de deboche e escárnio para com a República da Itália, alega-se que o agravamento da condição pessoal do extraditando poderia ocorrer justamente em razão de lá vigerem perfeitas condições democráticas. Ora, como é que a democracia poderia contribuir de algum modo com o agravamento da situação de Battisti?! Fica a pergunta.

O segundo fundamento, por sua vez, diz respeito às declarações de diversas autoridades italianas, que segundo a presidência da República, contribuiriam para o agravamento da situação pessoal do indivíduo.

Entretanto, absolutamente nenhuma das declarações trazidas no teor da decisão sugere que a situação do italiano poderia ser agravada caso seja extraditado.

Muito pelo contrário: todas elas retratam aspirações e anseios por justiça, que se revelam faticamente pela devida aplicação da pena a ele imposta. Considerar isso como hipótese de agravamento da situação do apenado não encontra amparo legal no tratado, no direito internacional e nem mesmo na razoabilidade. 

E pior: consigna-se no parecer uma ressalva quanto à recorrente utilização da expressão justiça para as vítimas, e sugere-se que o direito penal contemporâneo não admite tal percepção – pelo contrário, deve-se ressocializar o delinqüente. Isso serviria também para demonstrar que a situação de Battisti pode ser agravada.

Por um momento, devemos deixar de lado o direito para compreender a denotação dessa assertiva: a justiça para as vítimas não existe mais! O extraditando já decretou a elas a pena capital há 30 anos. Impossível desfazer. Mas, um sentimento de justiça para os familiares e filhos dos 4 mortos por Battisti talvez atenue a dor causada pela perda. Isso o direito não tutela. Pode, quando muito, trazer alento e noites tranqüilas de sono àqueles que foram privados dos familiares; isso, claro, caso o apenado cumpra pena.

Voltando ao direito, todas as demais alegações deduzidas no parecer não possuem respaldo na lei. Extraem-se do parecer meras suposições nada ponderáveis, isto é, contrárias ao tratado, que visam exclusivamente à finalidade de se justificar a recusa de entrega do extraditando em evasivas e subterfúgios.

A conotação política do caso, como bem também as declarações das autoridades italianas e matérias veiculadas na imprensa, de nenhum modo, adéquam-se à hipótese prevista na lei aplicável.

Admitir o contrário resultaria inevitavelmente num impedimento automático da extradição de qualquer italiano para aquele país. Isso, pois, seria a assunção nítida e patente, pelo governo brasileiro, de que a Itália não possui condições para manter a integridade física, moral e psíquica do indivíduo, postulados decorrentes da dignidade humana. Ou, alternativamente, resultaria na assunção, pelo Brasil, de que a Itália não os preza e não os respeita.

Embora tais hipóteses tenham sido afastadas no parecer da AGU, são conseqüências lógicas irrefutáveis. E, ao invés de assumi-las, preferiu-se tecer elogios, gabos e outras palavras de louvor e honra à República da Itália; e também ao papel preponderante que sua cultura exerceu sobre a formação do Brasil. Pura retórica cuja finalidade foi tentar não estremecer as relações bilaterais entre os países.

Assim, hei de discordar do Sr. quanto à atribuição da qualidade de decisão jurídica perfeita, exposta em seu texto, pois, na verdade, trata-se de uma decisão jurídica ilegal e desprovida dos fundamentos essenciais para sua validade.

Portanto, tendo em vista os princípios constitucionais da separação de poderes, da impossibilidade de exclusão de apreciação dos atos do Executivo pelo Judiciário, dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras e, principalmente, o tratado bilateral, é que a Reclamação deve ser julgada procedente, considerando o ato de recusa de entrega do extraditando ilegal.

III

Assim como eu renunciei ao exercício da política pelo Direito, o Sr. parece ter renunciado ao Direito pela política  – um ato por vezes nobre – pois o direito nem sempre é justo – mas por vezes também perigoso, uma vez que a institucionalização da impunidade pelo Estado corresponde ao retrato de um poder usurpado e corrompido.

A cooperação internacional é a premissa que funda a extradição. É uma necessidade inevitável para consecução da aplicação da justiça no mundo globalizado. O Brasil, na condição de fundador da ONU e signatário da Declaração de Direitos Humanos, não pode se furtar de tamanha responsabilidade – não só perante o Estado com o qual mantém um vínculo jurídico através de um tratado, mas principalmente em respeito aos direitos humanos inalienáveis dos familiares das vítimas que Battisti matou.

Subverter ao Estado de Direito é matéria complexa. Inexistem parâmetros legais internos em qualquer ordenamento. Outro dia, até escrevi um texto irônico para demonstrar que somente ao povo cabe julgar se justa ou não a insurreição contra o poder político constituído, e como é tênue esse limite. Daí porque documentos internacionais tenham proposto, ainda que de forma demasiada subjetiva, a legitimidade para se recorrer ao direito de resistência contra a opressão em certos casos, mas jamais o da Itália dos anos 1970.

E o clamor público do caso Battisti resulta daí. Alguns argumentam que suas ações foram legítimas, de cunho político. Bem, no momento em que um projétil atravessa seu crânio, pouco importa se a motivação do atirador era ou não política. A vida se perdeu de qualquer modo, e com ela tantas outras, desgraçadas em seus dias sobejos, que passam vagarosa e solitariamente.

Justeza é conceito difícil de demarcar entre povos, nações, épocas e até ideologias políticas. Entretanto, a humanidade atingiu um estágio em que, no âmbito do direito internacional, reconhecem-se valores superiores. E a vida, não há dúvidas, é o mais importante e aquele por qual se deve prezar, independente de conceitos centenários tidos como absolutos, como a soberania, invocados com freqüência para o cometimento de atrocidades, as quais nos fazem refletir sobre nossas racionalidades.

Que diremos então – e aqui eu já renunciei ao direito por um ideal maior – de meros expedientes processuais, tecnicismos, que podem obstar a consecução do justo?! Ainda pior, em razão de caprichos pessoais de um mito, cujo nome não ocupará lugar nesse texto, no qual coube menção a tantos homens que contribuíram de maneira decisiva através de teorias, lutas e trabalhos, para a existência e reconhecimento de nossos direitos, inclusive o do Sr., obviamente.

Infelizmente, meus olhos crus não mais vêem possibilidade de Justiça para Battisti, que permaneceu foragido durante tanto tempo. Mas sua liberdade certamente representará a Injustiça, anuída pela Corte que mais deve estimar pela prevalência dos direitos humanos no Brasil, e corroborará, precisamente, que não somos dignos de posição permanente no órgão que deveria prezar pela vida, pela paz e pela igualdade – que, neste caso, justamente assumirão letras mortas, frias e vazias da lei.